A conversa particular é prerrogativa legítima assegurada pela Constituição Federal. O ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, reafirmou o direito ao analisar pedido dos advogados do italiano Cesare Battisti, preso no Brasil sob acusação de homicídios cometidos O ministro Celso de Mello avalia que o direito público subjetivo à plenitude de defesa fica comprometido com o desrespeito dessas regras por quaisquer agentes ou órgãos do Estado. O acesso a tais direitos, na realidade, há de ser assegurado, sempre, sem qualquer discriminação, a todos aqueles, brasileiros ou estrangeiros (independentemente de sua condição social, econômica ou funcional), que, eventualmente, se achem sob a custódia do Estado, completa. Relator: Min. Celso de Mello Requerente: Governo da Itália Advogado (a/s): Antonio Nabor Areias Bulhões Extraditando (a/s): Cesare Battisti Advogado (a/s): Tatiana Zenini de Carvalho e outro (a/s) DESPACHO: Ao apreciar pedido formulado pelo Senhor Advogado do ora extraditando, que invocou a prerrogativa profissional que lhe assegura o art. 7º, III, da Lei nº 8.906/94 (fls. 21), vim a deferir tal postulação, autorizando-o, nos termos do Estatuto da Advocacia, a comunicar-se e a avistar-se, reservadamente, com o seu cliente, Cesare Battisti (…), no local em que custodiado, (…) sem as limitações naturais impostas pela própria estrutura física do locutório da carceragem da Superintendência Regional do Departamento de Polícia Federal no Distrito Federal, de modo a que, sem qualquer barreira ou obstáculo, possam, advogado e cliente, juntos, manusear cópia dos autos do pedido de extradição, a fim que a defesa possa instruir-se a propósito dos fatos atribuídos ao extraditando, ocorridos fora do Território Nacional (…) (fls. 20). O Senhor Advogado do ora extraditando, no entanto, alega que tentou exercer por duas vezes, sem sucesso, o direito assegurado por Vossa Excelência, respectivamente nos dias 06 e 13.jun.07 (fls. 03 – grifei). E aduz (fls. 03/04): Na primeira oportunidade, não obstante houvesse outras salas disponíveis, foi determinado pela autoridade policial que a entrevista reservada seria realizada no locutório da carceragem da Superintendência Regional do Departamento de Polícia Federal, ficando advogado e custodiado confinados no mesmo espaço destinado às visitas. Registre-se que, como naquela data, em razão do feriado de Corpus Christi, a visitação, ordinariamente realizada às quintas-feiras, havia sido antecipada, a realização da entrevista reservada foi também condicionada ao cancelamento da visita semanal dos familiares aos demais presos e do banho de sol dos detentos, colocando o extraditando em condição absolutamente desconfortável perante os demais custodiados, ficando sujeito a sofrer todo tipo de represália. Em razão das condições impostas pela autoridade policial, a entrevista com o extraditando foi extremamente limitada no tempo, sendo ainda abreviada em razão de sua retirada da custódia para inquirição em autos de carta precatória expedida pela Superintendência Regional de Polícia Federal do Rio de Janeiro em expediente que apura suposto uso de passaportes falsos. Finalmente, em 13.jun.07 o requerente, depois de comunicar a custódia na véspera sua disposição de avistar-se com o preso, teve o acesso ao cliente cerceado sob a alegação de que estaria sendo realizado procedimento na custódia cuja natureza não foi informada. Depois de aguardar por mais de 2h30min – o que pode ser confirmado pelos registros informatizados de entrada e saída naquela Superintendência – sem obter sequer a confirmação de que poderia se avistar com o extraditado, o requerente retirou-se da Polícia Federal. Importante lembrar que o requerente tem como sede de sua advocacia a cidade do Rio de Janeiro, e que seus deslocamentos a Brasília para entrevista frustrada com seu assistido implicam em despesas significativas e no prejuízo de sua regular atividade profissional. A partir do relato ora trazido, o requerente não tem dúvidas que ao cumprimento da decisão de Vossa Excelência estão sendo colocados obstáculos absolutamente desnecessários pela Superintendência Regional do Departamento de Polícia Federal do Distrito Federal. De igual modo, e pelos mesmos motivos, o requerente se confessa absolutamente incapacitado de proporcionar a seu assistido a mais mínima orientação com relação a sua defesa para o interrogatório designado para o próximo dia 18.jun.07. (grifei) A ilustre Senhora Superintendente Regional do DPF/DF, instada a esclarecer o alegado descumprimento da ordem judicial (fls. 11), assim se pronunciou (fls. 15/16): Impele ressaltar que nesta Superintendência inexiste sala para visitação de preso com possibilidade de contato físico, e, sim, um parlatório, visto se tratar de custódia provisória. Consoante é cediço, todo tratamento diferenciado gera desgastes, mormente entre custodiados, e, por conseguinte a tensão aumenta inclusive com riscos ao próprio preso beneficiado. Atualmente na carceragem desta unidade encontram-se 37 (trinta e sete) presos de nacionalidade brasileira e um estrangeiro. Malgrado a Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados ter solicitado liberação de computador, canetas e outros materiais ao preso italiano Cesare Battisti, deixou-se de atender, por se reportar a preso como todos os demais presos brasileiros, por conseguinte, cumprindo a regra reinante nesta Superintendência, tratamento uniforme, independente da classe social, econômico/financeiro, somente sendo diferenciado nas hipóteses pertinentes a recolhimento em cela especial, na forma da legislação em vigor, enquanto que a alimentação, o direito a atendimento médico, visitas de advogado e familiares, quantidade de preso por cela, recebe tratamento igualitário e padrão. (grifei) Sendo esse o contexto, em que se denuncia descumprimento de uma ordem emanada do Supremo Tribunal Federal, em processo instaurado contra pessoa sujeita à imediata jurisdição desta Corte Suprema, e tendo presentes os esclarecimentos prestados pela Senhora Superintendente Regional do DPF/DF, aprecio o pedido que o Senhor Advogado do extraditando formulou a fls. 03/04 (PG/STF-91325/07). Observo, por necessário, neste ponto, que esta decisão é proferida em face do caso concreto, cujo exame foi-me submetido em razão de processo de que sou Relator, no qual surgiu incidente configurador de injusto cerceamento ao direito de defesa, motivo que me leva, por isso mesmo, a apreciar, relativamente ao extraditando em questão, o pleito ora em análise. Cabe advertir, desde logo, considerados os termos constantes do Ofício da Senhora Superintendente Regional do DPF/DF (fls. 15/16), que não se trata de dispensar tratamento diferenciado ao ora extraditando, eis que este como qualquer outro extraditando – assume, no processo extradicional, a condição indisponível de sujeito de direitos, cuja intangibilidade há de ser preservada pelo Estado a quem foi dirigido o pedido de extradição (…) (Ext 897/República Tcheca, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Pleno). É importante ressaltar e ressaltar muito claramente que a Senhora Superintendente Regional do DPF/DF está equivocada, quando supõe que a ordem judicial que lhe foi dirigida para ser executada – implicaria a concessão, ao extraditando, de tratamento diferenciado. A outorga, ao extraditando, da garantia que lhe assegura o direito de se entrevistar, pessoal e reservadamente, com seus Advogados, quando preso, não traduz privilégio indevido, pois se trata de prerrogativa legítima, que, assegurada pela Constituição e pelas leis da República, deve ser respeitada por quaisquer agentes e órgãos do Estado, sob pena de arbitrário comprometimento do direito público subjetivo à plenitude de defesa (CF, art. 5º, LV). Não se pode desconhecer, neste ponto, que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem reiteradamente proclamado (Ext 917/República Francesa Ext 977/República Portuguesa, v.g.), a propósito da posição jurídica do extraditando (que não é mero objeto de persecução penal), o que se segue: EXTRADIÇÃO E RESPEITO AOS DIREITOS HUMANOS. – A essencialidade da cooperação internacional na repressão penal aos delitos comuns não exonera o Estado brasileiro – e, em particular, o Supremo Tribunal Federal – de velar pelo respeito aos direitos fundamentais do súdito estrangeiro que venha a sofrer, O fato de o estrangeiro ostentar a condição jurídica de extraditando não basta para reduzi-lo a um estado de submissão incompatível com a essencial dignidade que lhe é inerente como pessoa humana e que lhe confere a titularidade de direitos fundamentais inalienáveis, dentre os quais avulta, por sua insuperável importância, a garantia do due process of law. Fonte: Conselho Federal. 12/7 19h20
A seguir, a íntegra da decisão: