Rodrigo Costa: “mais importante do que novas multas é a recomposição da flora”

30/05/2011 Entrevista, Notícias

Em entrevista ao Portal da OAB-GO, o presidente da Comissão de Direito Ambiental da seccional, advogado Rodrigo Silveira Costa, expôs sua opinião sobre questões polêmicas do texto do novo Código Florestal aprovado pela Câmara dos Deputados. Confira:

Quais são os principais avanços observados no novo Código Florestal brasileiro aprovado pelos deputados federais?
É necessário ressaltar algumas evoluções na recente mudança do Código Florestal, que primou pelo detalhamento das situações fáticas em detrimento das generalidades anteriormente observadas. A primeira delas é a legalização de determinadas culturas que já estão estabelecidas, há várias décadas, em áreas de preservação permanente e dependem desta condição para subsistir. Os maiores exemplos são as lavouras de arroz, que dependem dos alagados às margens dos rios para o plantio; e também os cafezais cultivados em altitudes elevadas, pois dependem do clima para uma boa safra. As margens dos cursos d’água, as encostas e os topos de morro são Áreas de Preservação Permanente (APP) – o que colocava os produtores em total ilegalidade – mas o plantio dessas culturas dependem dessas áreas e, frise-se, foram por anos incentivas pelo Poder Público e financiadas por bancos oficiais. Desse modo, acertada é a flexibilização da legislação para reconhecer este fenômeno.

Entretanto, essa benesse deve ser restrita, não contemplando os demais produtos agrícolas e a pecuária que independem das APPs para sua consecução, não merecendo esses benefícios pois os produtores rurais poderiam escolher outras áreas para a atividade agropecuária mas, ilegalmente, ocuparam as margens de rios e topos de morros.

Outro ponto positivo é a realização de um Plano de Regularização Ambiental pelos Estados da Federação, com estipulação de prazos e condições para que as propriedades onde a Reserva Legal foi desmatada além do permitido possam se adequar à lei.

É preciso reconhecer que mais importante do que novas multas e ações fiscalizatórias é a recomposição da flora, que garante a perenidade dos recursos hídricos, do solo e da fauna. Assim, conceder prazos – desde que não prorrogáveis – para que os infratores possam respeitar novamente a Lei Florestal não pode ser encarado como uma mera facilitação, mas sim como a alternativa factível para a recuperação do meio ambiente.

Para o senhor, qual o ponto mais negativo presente no novo texto?
A pior inovação é seguramente o perdão das multas já aplicadas àqueles que não possuem a área mínima de Reserva Legal. Como essas considerações são direcionadas à comunidade jurídica, permito-me citar o brocardo jurídico do tempus regit actum, ou seja, o tempo deve reger o ato. Ora, o texto original do Código Florestal (Lei Federal nº 4.771/65) já previa, desde a década de 60, que as derrubadas na região Centro-Oeste deveriam respeitar o limite mínimo de 20% em cada propriedade. Conclui-se, portanto, que sob sua égide todos os desmatamentos superiores a este patamar foram ilegais e as multas aplicadas pelos órgãos ambientais são válidas.

No meu entender, rasgar os autos de infração já lavrados é também rasgar a Constituição Federal, olvidando os atos jurídicos consolidados e o próprio preceito de segurança jurídica. Aos defensores desse perdão às multas eu faço a seguinte indagação: como devem se sentir os fazendeiros que cumpriram rigorosamente a lei, mantendo incólume suas Reservas Legais, enquanto seus vizinhos não o fizeram? Em outras palavras, o Câmara dos Deputados penalizou todos os que cumpriram a legislação ambiental brasileira.
 
O Cerrado será prejudicado ou beneficiado? Por quê?
Foram aprovadas pela Câmara dos Deputados algumas alternativas que facilitam tanto o reflorestamento da Reserva Legal dentro da propriedade quanto a compensação da RL extrapropriedade. Nesse escopo, o bioma Cerrado será beneficiado, pois haverá a recomposição de áreas desmatadas com espécies nativas (reflorestamento) ou a vedação de desmatamento em outras áreas virgens, que se prestarão a compensar, com o excedente, a RL de outra propriedade por meio da Cota de Reserva Ambiental (CRA).

Todavia, os moldes da CRA são bastante permissivos e admitem que um proprietário compre a cota excedente dentro do mesmo bioma. Isso pode gerar vastas extensões de terras sem a cobertura vegetal em regiões com aptidão agropecuária, sendo pertinente citar um exemplo: um pecuarista da região de Nova Crixás ou um sojicultor de Rio Verde não possuem Reserva Legal em suas fazendas e poderão comprar sua CRA de uma região bem distante como Cavalcante, no outro extremo do Estado e sem aptidão agropecuária em virtude do relevo.
 
Torna-se economicamente atrativo não reflorestar em zonas produtivas, o que criará bolsões sem espécies florestais nativas do Cerrado, comprometendo a biodiversidade, o clima e recarga hídrica.

É possível que o Direito Ambiental e o Direito Agrário caminhem em harmonia?

Considerando que o Direito é uno e suas divisões são meramente didáticas, o Direito Ambiental e o Direito Agrário não só podem como devem caminhar em harmonia. Mas os desafios são enormes. Os produtores rurais vivem diuturnamente o dilema de cumprirem as exigências de produtividade do Incra e a proteção ambiental fiscalizada pelo Ibama, e essa dissonância é latente entre quando percebemos que as referidas autarquias emitem diretrizes conflitantes na órbita da Administração Pública Federal.

Para corroborar a afirmação anterior, basta dizer que uma lista publicada pelo Ministério do Meio Ambiente em 2008 apontou o Incra como o maior desmatador do país, pois os assentamentos desrespeitam a legislação ambiental e acumulam quase R$ 300 milhões em multas. Se o próprio órgão federal responsável pela reforma agrária não é diligente no cumprimento da legislação ambiental, fica difícil convencer a iniciativa privada a fazê-lo.
 
De mais a mais, invoco a reflexão dos advogados sobre a política do Governo Militar em 1966 (isto mesmo, só um ano após a sanção do Código Florestal), propagada pelo presidente Castelo Branco com o slogan “integrar para não entregar”. Foi fomentada a ocupação da região norte acompanhando a construção da rodovia Transamazônica, sendo imprescindível aos ocupantes derrubar a floresta e ‘formar’ as terras, sempre com incentivos e subsídios da Sudam, configurando-se uma política oficial de desmatamento.

Felizmente estamos sob um novo paradigma. A convivência entre produção e preservação é cada vez mais evidente. Mesmo os grandes produtores rurais já percebem, por exemplo, que o assoreamento causado pelo desmatamento das APPs nas margens dos rios é prejudicial à oferta hídrica em longo prazo. Ou seja, a pujante produção agrícola brasileira depende da preservação ambiental.

De que forma a Comissão de Direito Ambiental da OAB-GO está abordando esse assunto? Há reuniões ou eventos programados para debater a questão?
 
A atual gestão da Comissão de Direito Ambiental (CDA), composta por advogadas e advogados extremamente competentes na seara ambiental, comprometeu-se em organizar dois eventos por ano, logrando disseminar o conhecimento jurídico e técnico ambiental para os inscritos.
Especificamente sobre o Código Florestal, foi organizado em novembro de 2010 o “I Seminário de Meio Ambiente da OAB-GO” com ótimos palestrantes e renomados doutrinadores de todo o Brasil.

No dia 12 de maio deste ano, realizou-se o evento “Código Florestal em Debate”, ocasião na qual foram palestrantes os professores do Mestrado em Direito Agrário da UFG e os professores do Grupo de Estudos Agrários da USP.

 O tema também é abordado nas reuniões mensais da CDA e, quando convidados, os membros da Comissão proferem palestras em diversas Faculdades de Direito em todo o Estado.

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