Presidente do IDAG: “o cidadão é o fim supremo da Administração pública”

18/06/2007 Antiga, Notícias

 


Discurso proferido pelo presidente do Instituto de Direito Administrativo de Goiás, Fabrício Motta, durante a abertura do VI Congresso Goiano de Direito Administrativo, no Centro de Convenções de Goiânia.


 


Senhoras e Senhores,


O Instituto de Direito Administrativo de Goiás – IDAG, entidade científica, de utilidade pública e sem finalidades lucrativas, tem o prazer de iniciar hoje o VI Congresso Goiano de Direito Administrativo. Pelo sexto ano consecutivo, este importante evento jurídico – o mais conceituado do Estado – é realizado com o intuito de alcançar conclusões – e propor novas indagações – a respeito dos temas atuais e polêmicos ligados à Administração Pública.


Nos últimos 5 anos, durante os Congressos, temos pregado a substituição do Direito Administrativo ligado somente à defesa do cidadão, por um outro, que ampare e possibilite transformações sociais. Pregamos o controle da implementação e execução dos serviços e das políticas públicas, mecanismos ativos de promoção dos direitos fundamentais. Louvamos a constitucionalização dos princípios e regras tocantes à Administração, como decorrência lógica do triunfo do constitucionalismo e da democracia. Reivindicamos uma Administração mais permeável e participativa, atenta às demandas sociais e incentivadora do diálogo democrático com o cidadão.


Do primeiro Congresso, realizado em 2002, até este, nossa linha parece sempre imutável porque o Direito Administrativo contemporâneo possui uma raiz forte, também imutável: a necessidade de disciplinar o relacionamento entre Estado e sociedade, de forma a exigir respeito mútuo e diálogo, tendo como norte a indiscutível constatação de que o cidadão é o fim supremo da Administração pública.


A realidade, contudo, parece hoje a mesma narrada por Sérgio Buarque de Hollanda, em Raízes do Brasil, cuja primeira edição data de 1936:


“De Dom João I a Getúlio Vargas, numa viagem de seis séculos, uma estrutura político social resistiu a todas as transformações fundamentais, aos desafios mais profundos, à travessia do oceano largo. (…) A comunidade política conduz, comanda, supervisiona os negócios, como negócios privados, na origem, como negócios públicos, depois, em linhas que se demarcam gradualmente. O súdito, a sociedade, se compreendem no âmbito de um aparelhamento a explorar, a manipular, a tosquiar nos casos extremos. Dessa realidade se projeta, em florescimento natural, a forma de poder, institucionalizada num tipo de domínio: o patrimonialismo, cuja legitimidade assenta no tradicionalismo: assim é porque sempre foi”.


Parcela da Administração sempre foi paralela, pessoalista ou patrimonialista. Pregou – e ainda pratica – a promiscuidade entre o público e o privado. Fez – e faz – das estruturas de poder grandes confrarias, onde os amigos são bem tratados, os desconhecidos são vistos com desconfiança e os inimigos são perseguidos. Agiu e age nas sombras, tornando público somente o que lhe beneficia; arquivando nos escaninhos ocultos o que não lhe convém divulgar. Em resumo, no lugar de servir ao cidadão, serve-se do cidadão, de todas as formas possíveis.


A administração pessoalista é a Administração dos nomes, não das competências. É gerencial quanto a alguns meios, mas não quanto a todos os seus fins. É a Administração da condenação: condena o cidadão ao medo, à ignorância, à fome, à fila, à espera nos aeroportos. Condena ao desespero, à falta de informação. Se não bastasse, condena a ouvir absurdos ditos por uns e outras, e ainda a ouvir desculpas pedidas com o único intuito de evitar algum prejuízo eleitoral futuro.


Estas constatações não devem ser vistas com desolação, mas como um desafio a exigir do cidadão, do administrador e do estudioso do Direito Administrativo, um compromisso constante: compromisso de reavivar o Estado Democrático de Direito, em um sistema que privilegie os direitos fundamentais e não admita retrocesso; compromisso de relembrar que em nossa República o poder emana do povo e em seu nome e benefício deve ser exercido; e, por fim, compromisso de proteger, diretamente ou recorrendo às instituições, a Constituição Cidadã da violência com que costuma ser atacada.


Dois breves pontos, interligados, podem ser destacados nesse cenário: a importância da transparência e a efetividade do controle.


Como diz Gordillo, a tradição das administrações hispanoamericanas é o silêncio, o segredo, a reserva, não a publicidade. O funcionário público não considera, com isso, que realiza uma atividade ilícita: ao contrário, percebe que o correto, o devido, o lícito e normal é ser o zeloso guardião do interesse público. O princípio da publicidade dos assuntos e questões administrativas é assunto central nos regimes democráticos contemporâneos. A transparência constitui um princípio ínsito à democracia, que somente pode ser mitigado em situações excepcionais e com fundadas razões. Por trás do princípio estão a exigência de segurança do direito e a proibição da política do “segredo”, entendida esta última proibição não somente como uma vedação ao arbítrio, mas como um dever de informar por parte do Estado. Numa República fundada em bases democráticas, não pode existir privilégio para o mistério, pois a legitimidade político-jurídica da ordem democrática exige um poder visível, que se deixa conhecer, que se deixa controlar.


O controle é essencial ao Estado de Direito, elemento de sua definição. As diversas estruturas e competências de controle previstas pela Constituição devem ser imaginadas de forma conjunta, interligada, harmônica. Sem compartilhamento de informações e ações conjuntas entre o Ministério Público, em seus diversos ramos, Tribunais de Contas, Polícias e outros controles ligados ao executivo não há prevenção, apuração e mesmo punição duradoura, efetiva. É preciso interpretar de forma inteligente a Carta para dar fim ao ciúme institucional e pensar, em primeiro lugar, na eficácia do controle, e não na glória das instituições. O controle ineficaz traz a certeza da impunidade e incentivo aos ilícitos.


Esse é o papel do estudioso do Direito Administrativo: propugnar, por diversos meios, pela efetividade de nossa Constituição, suas promessas, seus princípios e valores.


Iniciamos mais um Congresso com a pretensão de discutir, com os mais destacados doutrinadores, os fundamentos, as transformações e as esperanças portadas pelo Direito Administrativo. Por mais uma demonstração de apoio, manifestamos nossos sinceros agradecimentos aos congressistas que nos prestigiam, razão de ser do evento; autoridades que prestigiam a sessão de abertura; professores de fora de Goiânia; agradeço especialmente aos patrocinadores e apoiadores, órgãos e entidades que incentivaram a participação de seus servidores.


Neste evento, queremos destacar os bons exemplos, alguns da Administração goiana, e também apontar equívocos. Queremos ser propositivos, e não somente contemplativos. Queremos fazer a nossa parte nesse diálogo de alto nível, contribuindo para a efetivação da cidadania, em sua plenitude. Esperamos que as reflexões e conclusões deste Congresso possam contribuir na orientação dos passos da administração pública, especialmente a goiana, na efetivação dos direitos, garantias e anseios do cidadão.


Muito obrigado, um ótimo congresso para todos.


 


18/06 – 19h30

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