OAB deve adequar linguagem pela igualdade de gênero, por Antonio Oneildo Ferreira

10/12/2013 Artigo, Notícias

Confira o artigo do diretor-tesoureiro do Conselho Federal da OAB, Antonio Oneildo Ferreira, publicado no site Consultor Jurídico (Conjur).

A gramática, segundo os dicionaristas, é o "estudo ou tratado dos fatos da linguagem, falada e escrita, e das leis naturais que a regulam" (Aurélio. p.862). E o dicionário, também segundo o mesmo, é o "conjunto de vocábulos de uma língua ou termos próprios de uma ciência ou arte, dispostos, em geral, alfabeticamente, e com o respectivo significado, ou a sua versão em outra língua" (Aurélio, p.587).

Neste sentido é que diariamente ouvimos as expressões: "procura no dicionário/gramática"; "ver como é no dicionário/gramática". E nós, de forma constante, somos obrigados a procurar o dicionário/gramática para vermos "como é o certo". É, portanto, o dicionário/gramática algo que define como é, como deve ser ou não ser, em termos de vocabulário.

Constitui-se, tal instrumento "o dicionário/gramática" como o definidor do significado das palavras, de forma pretensamente neutra. Como se o dicionário/gramática se encontrasse acima das contradições que regem essa nossa "moderna" sociedade. Sendo que, por ser apresentado desta forma e por ocupar tal lugar, o dicionário/gramática funciona como um estabilizador da linguagem, como algo que estabiliza o instável. Contribuindo, desta forma, para manter o "estabelecido", e assim, de acordo com Paulo Freire, obscurecendo novas concepções ou possibilidades e realidades.

Tem certas regras contidas no dicionário/gramática que são determinantes para a construção/preparação de uma sociedade machista. Vejamos. Desde cedo somos instruídos, e instruímos, nas escolas algumas regras determinantes desse quadro.

Ensina-se, prega-se, cumpre-se a regra da superioridade do masculino perante o feminino sem nenhum questionamento ou ponderação de qual é o impacto desse ensinamento, nas salas de aulas do pré-escolar até o ensino médio, sobre o caráter/personalidade dos adultos em construção. Qual é a percepção de um adolescente, sentado ao lado das colegas, que passou dez anos ouvindo e ‘aprendendo’ que o masculino prevalece sobre o feminino; que o masculino absorve o feminino; que o masculino precede ao feminino?

O ensino dessas ‘regras’, transmitidas de forma neutra, isenta, supostamente desprovidas de qualquer valoração, influencia em que e sustenta o que nas relações de gênero dentro de nossa sociedade? Essa construção pedagógica é determinante na formação de imaginários masculinos autoritários e femininos submissos.

Resgato aqui um fato histórico emblemático, ocorrido em 1930: em entrevista a jornalista e escritora Regina Echeverria, o político José Sarney explica o motivo do bordão brasileiras e brasileiros. Diz o ex-presidente da república que cunhou a frase "inspirado no veto à primeira mulher que tentou entrar para a Academia Brasileira de Letras" (ECHEVERRIA, Regina. SARNEY. A Biografia. Leya. 2011. P. 403).

Tratava-se da escritora Amélia Carolina de Freitas Beviláqua, esposa de Clóvis Beviláqua, que teve sua candidatura a imortal vetada pela ABL sob o argumento de que o "brasileiros" contido no estatuto e no Código Civil de 1916 era um "substantivo masculino".

Não basta a Constituição da República abrir seu Título II "dos direitos e garantias fundamentais" com a afirmação da igualdade entre homens e mulheres. É necessária a sua concretização. A começar pela linguagem ? censor e condutor de todo porvir. Lembre-se o ensinamento bíblico de que "a perdição do homem não está no que entra, mas no que sai de sua boca".

A edição da Lei de 12.605/12 significa um avanço extraordinário na concretização da igualdade de gênero no Brasil. Festejada Lei "Determina o emprego obrigatório da flexão de gênero para nomear profissão ou grau em diplomas". Determinando em seu artigo 1° que "as instituições de ensino públicas e privadas expedirão diplomas e certificados com a flexão de gênero correspondente ao sexo da pessoa diplomada, ao designar a profissão e o grau obtido".

Assim, a graduação em direito deve ser nomeada bacharel ou bacharela, com o desdobramento lógico jurídico imperativo na designação da profissão: advogado e advogada ? com a obrigatória flexão de gênero refletida na nominação da Entidade de Classe, que tem por finalidade representar a advocacia brasileira, a OAB (artigo 44, da lei de 8.906/94). Neste sentido a OAB deve designar, segundo as regras da boa educação, Ordem das Advogadas e Advogados do Brasil. A sigla permanece a mesma.

Cabe registrar que hoje temos um número de advogadas quase igual ao de advogados, com uma previsão de superação pelas advogadas no ano de 2020, mantida a atual taxa de crescimento, fato que já aconteceu em relação ao quadro de estagiárias e estagiários, conforme quadros demonstrativos:

Quadro de Advogadas e Advogados regulares e recadastrados(as)

SECCIONAL

Advogados(as)

Estagiários(as)

Suplementares

TOTAL

Feminino

Masculino

Feminino

Masculino

Feminino

Masculino

AC

868

1.355

13

25

59

143

2.463

AL

2.802

3.869

64

78

98

237

7.148

AM

2.630

3.071

31

67

126

280

6.205

AP

653

846

144

138

74

197

2.052

BA

13.298

15.094

1.040

1.026

484

1.041

31.983

CE

6.945

9.396

197

186

93

282

17.099

DF

11.555

13.392

873

1.060

826

2.056

29.762

ES

5.527

6.854

143

159

157

442

13.282

GO

9.724

12.764

574

819

357

959

25.197

MA

3.081

4.396

31

84

162

454

8.208

MG

34.986

44.867

4.461

3.897

605

1.520

90.336

MS

4.097

5.374

104

146

198

514

10.433

MT

4.947

5.878

580

500

235

770

12.910

PA

5.779

6.229

315

383

179

430

13.315

PB

3.523

5.020

104

230

76

211

9.164

PE

9.083

10.956

677

748

187

461

22.112

PI

2.865

4.059

184

186

63

202

7.559

PR

19.452

25.308

90

150

480

1.095

46.575

RJ

60.141

64.641

5.269

3.817

1.211

2.265

137.344

RN

3.144

4.128

47

102

98

262

7.781

RO

2.013

2.274

83

89

107

268

4.834

RR

415

548

45

51

61

107

1.227

RS

26.880

31.479

1.680

1.476

264

578

62.357

SC

10.213

14.366

103

152

507

1.249

26.590

SE

2.174

2.603

58

121

98

225

5.279

SP

115.966

129.855

6.459

5.571

1.712

3.480

263.043

TO

1.379

1.948

64

100

128

348

3.967

TOTAL

364.140

430.570

23.433

21.361

8.645

20.076

868.225


Temos, sem os(as) aprovados(as) no último exame de ordem, 364.140 (45,83%) de advogadas, e 430.570 (54,17%) de advogados. E dentre os(as) estagiários(as) temos 23.433 (52,31%) de estagiárias, e 21.361(47,69%) de estagiários, numa clara projeção do cenário futuro da advocacia brasileira.

Esse aumento do contingente feminino nos quadros da advocacia é bem visível nos números do Exame de Ordem no X Exame foi divulgado o seguinte quadro:

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