O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção Goiás (OAB-GO), Lúcio Flávio de Paiva, publicou um artigo nesta segunda-feira (31), no site de conteúdos jurídicos Conjur.
Intitulado de “Carta a um(a) jovem adovogado(a)”, o artigo revela os desafios da carreira e presta homenagem ao Dia do Advogado(a), comemorado em 11 de agosto. Veja abaixo o artigo.
Carta a um(a) jovem advogado(a)
Caro(a) colega,
Em agosto se comemora, no dia 11, o Dia do Advogado. É, pois, um mês em que os convites para palestrar sobre a advocacia são muitos. No mais das vezes, o público destinatário é jovem: ou advogados em início de carreira ou acadêmicos de Direito em vésperas de formatura e submissão ao exame da OAB.
Aproximando-me de 20 anos de exercício diário da advocacia e cinco de presidência da OAB-GO, sem mencionar os mais de 13 anos de docência universitária, resolvi ajuntar as reflexões que costumo fazer nessas palestras sobre a profissão de advogado organizando-as em forma missiva, a fim de poder me dirigir aos jovens colegas que ora dedicam seus primeiros anos à vida profissional.
O objetivo não é outro senão auxiliar você, jovem colega, que se vê a braços com tantas dificuldades nesse início de profissão, a persistir e insistir, para que possas colher os frutos que o plantio de hoje lhe reserva no amanhã; meu intento sincero é sobretudo trazer-lhe palavras de incentivo e também reflexão.
E começo dizendo-lhes do meu orgulho em exercer a advocacia. Ah, meus caros amigos, quanta honra carrega essa imemorial profissão! Quanto orgulho nos desperta ao deitarmos os olhos sobre o passado do mundo e ver que em todos os tempos essa figura respeitável, o advogado, se levantou contra o abuso dos poderosos, o arbítrio e a ilegalidade, para se postar ao lado da lei, da justiça e da cidadania.
Contam-se, entre os advogados, os maiores homens de governo, os construtores de nacionalidades, os unificadores de impérios, os construtores de constituições, os condutores de repúblicas e democracias, como já nos apontava o gênio inolvidável de Rui Barbosa:
“PÉRICLES, CÍCERO, MIRABEAU, PITT, GLADSTONE, CAVOUR, LINCOLN, BISMARK (…) que foram todos esses Titãs do pensamento e da ação militantes senão prodigiosas encarnações da palavra ao serviço do gênio político?“.
Para Rui, a advocacia, a partir da tribuna, fez-se a mãe das artes, a mãe dos parlamentos, a mãe das atuais democracias, a mãe das maiores reivindicações liberais.
Ao lado desses nomes veneráveis, que ornam a história da advocacia no mundo e nos tempos, cito também aqueles que enchem de honra as páginas da história do Brasil: o próprio Rui, José Bonifácio de Andrada, Heráclito Fontoura de Sobral Pinto, Luiz Gama, Francisco Gê Acaiaba de Montezuma, Joaquim Nabuco e Raymundo Faoro.
Perante esses luminares e gênios, queridos colegas de profissão, advogados e advogadas jovens, somos apenas crianças… Mas, atenção (!): somos crianças herdeiras; esse legado nos pertence e a ele devemos dar continuidade. Quando, pois, estiverem a redigir uma petição, a participar de uma audiência ou a proferir uma sustentação oral, saibam que nesses atos estão a emular todos os gigantes que nos precederam e a com eles compartilhar o que a todos nos une: o amor pelo Direito e pela advocacia.
Sim, bem sei que o início é duríssimo; creiam: já estive aí exatamente onde estás agora: no começo, ganhando pouco ou nada, lutando com as dívidas e com a escassez de recursos. Mas jamais desanimem; não se deixem abater pelas dificuldades desses primeiros anos, pois os que vieram antes de vós também passaram por isso e acabaram por mudar — e moldar! — o mundo. Cívero, o maior gênio da advocacia romana, até os 26 anos de idade havia advogado em apenas algumas pequenas causas cíveis, para então, após o célebre julgamento de Sexto Róscio, em que atuou como advogado de defesa, absolver o réu e entrar para o rol dos mais requisitados advogados da república romana e ser, na posteridade dos tempos, tido como o maior tribuno de toda a história.
Pois o vosso Sexto Róscio, jovem colega, aquele caso que os elevará ao reconhecimento de seus pares e da sociedade, pode estar ali, bem à frente, esperando encontrar um jovem advogado corajoso, diligente, honrado e — muito importante! — preparado, como fora Cícero e todos os demais que citamos anteriormente.
Pois digo-lhes: a verdadeira advocacia, aquela que vem de tempos imemoriais e também a advocacia de nosso tempo, é a advocacia que combina e ajunta a erudição, o cultivo das virtudes cívicas, a coragem para arrostar o arbítrio, a empatia pelas dores de nossos semelhantes e o profundo sentimento de justiça.
Reconheço que precisamos sobreviver e ganhar nosso dinheiro; sobretudo nos primeiros anos a necessidade material nos espicaça a serenidade e nos drena as melhores forças. Mas ainda assim alerto: não há advocacia a serviço do mercado; só há advocacia a serviço da lei e do Direito. Quem exerce a profissão de olho apenas na vontade de enriquecer envilece a advocacia verdadeira e a apequena ao colocar-lhe no baixíssimo nível da pura materialidade dos interesses, quando ela é o espírito de justiça encarnado nos atos postulatórios do advogado.
Também não há advocacia sem erudição. Vejo muitos jovens que pretendem exercer a profissão sem se preocupar com o cultivo de sua cultura jurídica e cultura geral. A verdadeira advocacia exige o hábito da leitura, a correção vernacular, a clareza do pensamento exposto oralmente e por escrito. Advogar é exercer diariamente a arte da argumentação, cuja matéria prima é o conhecimento, que por sua vez se adquire sobretudo pelo hábito da leitura. Quem não lê, mal ouve, mal fala, mal vê, como advertia Monteiro Lobato.
Não é verdadeiro advogado quem não promove as virtudes cívicas. Garantias individuais, democracia, separação de poderes, liberdade de imprensa, livre expressão do pensamento, liberdade religiosa, liberdade sexual. Esses são alguns exemplos de valores que formam a base de uma sociedade aberta, plural e solidária; são valores que precisam ser defendidos pelo advogado em seu dia a dia. Afinal, se não forem os advogados a tutelarem essas virtudes, quem o fará? Sem advogados o arbítrio campeia e liberdade fenece. E como mais uma vez nos ensina Rui Barbosa, “legalidade e liberdade são o oxigênio e o hidrogênio da nossa atmosfera profissional“.
Sem coragem, queridos jovens, não há advocacia, pois são os advogados que arrostam o poder e seu abuso; a advocacia é a profissão da liberdade. Todos os advogados que aqui citamos denunciaram abusos dos poderosos e por isso sofreram com a perseguição, o degredo, o ostracismo. É emblemática, nesse sentido, a história — verídica, ressalte-se — de Napoleão Bonaparte, quando a ele apresentaram um decreto que retornava a Ordem dos Advogados ao âmbito da legalidade, proscrita que fora essa profissão e a própria Ordem francesa por ocasião do golpe de estado bonapartista. Disse o Imperador/ditador:
“Este decreto é um absurdo; não nos deixa meio nenhum de os refrear, nenhuma ação sobre eles. (…) Enquanto eu tiver uma espada à cinta, não firmarei nunca tal decreto. Quero que se possa cortar a língua ao advogado, se dela usar contra o governo“.
Não é verdadeiro advogado, de igual sorte, aquele não cultiva um profundo sentimento de justiça. Justiça para defender a lei e suas garantias, afinal, como pontificava Piero Calamnadrei, “para encontrar a justiça, é necessário ser-lhe fiel. Ela, como todas as divindades, só se manifesta a quem nela crê“.
Finalmente, não há verdadeira advocacia sem caridade para com o próximo; caridade para acolher o semelhante no momento em que, talvez, ninguém mais o acolha, nem mesmo a família, quer por ser acusado de um crime repugnante, quer por estar alijado de seu patrimônio, quer porque perseguido por seus pensamentos e opiniões. Nessas horas é ao advogado que o desafortunado cidadão recorre e pede socorro, e o causídico, em nome da justiça, abraça a causa, ainda que assumindo o peso da impopularidade e da incompreensão social. Como escreveu Rui Barbosa na carta intitulada “O dever do advogado”, a função do advogado é ser, ao lado do acusado, a voz de seus direitos legais, e reforça o saudoso Águia de Haia:
“Se a enormidade da infração reveste caracteres tais, que o sentimento geral recue horrorizado, ou se levante contra ela em violenta revolta, nem por isso essa voz deve emudecer. Voz do Direito no meio da paixão pública, tão susceptível de se demasiar, às vezes pela própria exaltação de sua nobreza, tem a missão sagrada, nesses casos, de não consentir que a indignação degenere em ferocidade e a expiação jurídica em extermínio cruel“.
Eis, caríssimos, a verdadeira advocacia de ontem, de hoje, do futuro e de sempre: a advocacia preparada, a advocacia cidadã, a advocacia intimorata, a advocacia caridosa, a advocacia justa.
Encerro minha missiva a você, jovem colega, na esperança humilde de que minhas palavras lhe alcancem de alguma forma o coração. Herdeiros legítimos que são dos gênios do passado, torço para que se entusiasmem o suficiente para se apossar desse enorme legado. Estudem, estudem e estudem, pois assim as superiores faculdades de sua inteligência brilharão; trabalhem, trabalhem e trabalhem, pois assim a colheita futura haverá de ser farta; e sempre e sobretudo: tenham amor à verdade e absoluta fidelidade ao Direito.
Um fraterno abraço.