Em artigo, Lúcio Flávio pede que manifestações sejam pacíficas

Confira, abaixo, o artigo do presidente Lúcio Flávio Siqueira de Paiva, publicado na edição deste domingo (13) de O Popular:
Que saibamos praticar a democracia 

O teste dos tempos e de experiências que vão do simples fracasso de gestão ao absoluto terror causado por ditaduras e regimes totalitários tem nos mostrado que a democracia é o sistema político que, apesar de não ser perfeito, tem sido o melhor para atender aos anseios sociais em sociedades plurais e organizadas. Em referência ao que já advertia Maquiavel, se a política não serve para transformar a sociedade em um paraíso na terra, serve para não deixar que se torne um inferno. 


Dito isso, devo admitir o quanto me inquieta o modo binário, polarizado, como temos lidado com a crise política instalada no País e, mais precisamente, o quão desastrosos podem ser os desdobramentos das manifestações marcadas para este domingo, caso não prevaleçam o bom senso e o respeito à opinião alheia, à diversidade de pensamento, ideias e posicionamentos. 

Pode parecer paradoxal, mas não é. A livre manifestação é um direito assegurado pela Constituição Federal que, para ser coerente com seus próprios fundamentos, necessita se fazer de forma pacífica. Ocorre que, neste momento, percebe-se, de um modo geral, uma notória e crescente – preocupante mesmo – intolerância com a divergência de opiniões, quer sejam favoráveis, quer sejam contrárias ao governo. 

Meu temor tem motivações claras: de norte a sul, lideranças políticas a favor e contra têm convocado a população para as ruas, o que deve resultar numa mobilização de grande envergadura, expressivamente maior, por exemplo, do que aquelas noticiadas no mês passado, em frente ao Fórum da Barra Funda, onde Lula iria depor, e também em frente à casa dele, em São Bernardo, quando manifestantes dos dois lados saíram machucados após conflitos. O que esperar para esse domingo? 

Digo que não é possível fazer funcionar o sistema democrático em uma sociedade marcada por um “diálogo de surdos”. Ao bater panelas enquanto o outro fala e ao tentar depredar empresas de comunicação, demonstramos um evidente rompimento da possibilidade de entendimento entre as partes. Vivemos um momento em que o discurso, de parte à parte, carrega na adjetivação e esvazia o conteúdo. 

Isso é perigoso, posto que a democracia, em sua essência, é um sistema baseado no diálogo, na dialética social de grupos e pessoas que, embora defendam interesses quase sempre conflitantes, são capazes de chegar à síntese. 

Me parece claro que o rompimento absoluto do diálogo tem caracterizado as sociedades em conflito campal aberto, como demonstra o triste exemplo da Síria em sua tragédia humanitária que transborda de suas fronteiras, ou ainda a conturbada e histórica relação de desentendimentos entre israelenses e palestinos. Foram, aliás, a intolerância e o discurso de ódio que abriram as portas da Alemanha para oportunistas totalitários, durante uma crise colossal naquele país, à época com inflação de 17.000%. 

Que em nosso País saibamos preservar o diálogo, a pluralidade, o respeito. O processo democrático, enfim. 

Para além do pretume oleoso da maré negra de corrupção que impregna empreiteiros e políticos – de todas as cores e matizes, diga-se de passagem – percebe-se que o Estado brasileiro se mostra surpreendentemente resistente, com instituições maduras e consolidadas, que seguem funcionando, respeitando o pacto federativo e, sobretudo, a divisão institucional dos poderes. 

A Operação Lava Jato, a propósito, tem demonstrado que, pela primeira vez na história do País, figuras eminentes da República, de um governo em exercício, além de proeminentes ricos e poderosos empresários, estão enfrentando investigações, processos judiciais, condenações e cadeia. 

É importante lembrar que as manifestações são parte da mais legítima expressão da democracia e que só são possíveis em um estado democrático de direito, onde o império da lei e o respeito aos direitos fundamentais reinam incontestes. Em defesa da democracia e das instituições, é preciso pensar o Brasil para além do duelo entre “coxinhas” e “petralhas”.

E, sobretudo, é preciso que sejamos coerentes: ao defender nosso direito de emitir nossa opinião, estarmos atentos para também respeitarmos o direito do outro de fazer o mesmo, ainda que em direção contrária.

Lúcio Flávio Siqueira de Paiva, presidente da OAB-GO.
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