Discurso proferido por Coraci Fidélis de Moura na solenidade de homenagem às Mulheres de Carreira Jurídica, na Câmara Municipal de Goiânia, em 13/09/06.
Vivemos uma época de avanços da mulher na sociedade, embora seja forçoso admitir que nossa cultura possui traços arraigados de posições ultrapassadas, marcadas pela subjugação injusta da mulher.Entretanto, os anseios femininos têm se materializado ao longo do tempo, através do Direito que, em sua imparcialidade, reflete a consolidação das conquistas da mulher. Clóvis Bevilácqua advertia que “jamais surgiu um direito que não fosse o reconhecimento de uma força”.
Até chegarmos aqui, passamos por um processo lento e árduo, como todas as conquistas da civilização. O caminho, entretanto, parece sedimentado, embora estejamos ainda vivendo um período de acomodação, de revisão e ajuste de conceitos, normas e procedimentos. Sem dúvida, o papel das mulheres não esteve, ao longo da história, reduzido a manter o fogo aceso e a criar as crianças. Elas também desenvolveram a tecnologia, descobriram novas terras, produziram arte, música e dança inovadoras, lideraram exércitos, contribuíram para a literatura mundial, tornaram-se influentes líderes nacionais, questionaram e mudaram crenças e estruturas sociais existentes, de forma a melhorar a qualidade de vida de todas as pessoas.
A inserção das mulheres na esfera do mercado de trabalho se tornou altamente expressiva, como demonstram os dados do IBGE acerca da População Economicamente Ativa. Assim, frente ao cenário que se apresenta na atualidade, é possível falar de possibilidades na busca existencial feminina: a independência econômico-financeira e autonomia conquistada com o trabalho; a realização profissional, pelo desenvolvimento das habilidades e da carreira; a escolha da maternidade, marcada pelos fatores como e quando desejada. Qual a escolha a fazer, quais as possibilidades de conciliação e quais os conflitos que emergem da tomada de decisão sobre essas possibilidades exigirão sempre reflexão.
É forçoso reconhecer que a tarefa legislativa para a garantia da dignidade e do tratamento igualitário entre homens e mulheres só se aperfeiçoa e tem eficácia na medida em que a própria cultura e as mentalidades se alterem. A sociedade está cada vez mais consciente da importância de estarem, homem e mulher, em pé de igualdade social, representando a evolução da espécie humana. Não restam dúvidas de que a palavra chave para este novo milênio é PARCERIA, aí incluído o respeito às diferenças e à solidariedade. Mulheres que sejam parceiras competentes na construção da nova sociedade que se deseja. Mulheres que, livres para voar, escolham o ninho como habitat e o parceiro como coadjuvante na ponte entre a luta e o sonho, enfim, mulheres realizadas e com prazer de terem nascido MULHERES.
O mundo atual não está exigindo um cérebro exclusivamente masculino ou exclusivamente feminino, mas a completude entre seres, que possuam igualdade de oportunidades e caminhem juntos para a realização. Pela própria natureza, homens e mulheres não são, em diversos sentidos, iguais. Admitir a distinção não significa afirmar primazia de um sobre o outro. As diferenças entre o homem e a mulher existem apenas para enriquecer o convívio entre eles, não para criar divisões, pois a feminilidade e a masculinidade são componentes que se integram, com o fim de tornar maior a felicidade do ser humano.
A diversidade de sexo não diminui nenhum deles, apenas amplia as possibilidades de uma vida mais rica. Afinal, nascemos para isso, para superar os limites e as situações que nos desumanizam e encontrar os caminhos da nova humanidade, aquela que construímos com a nossa ação consciente. O que não se pode admitir é que, sob o manto de desigualdades biológicas, fisiológicas, anatômicas e psicológicas, se pretenda preservar diferenciação de dignidade jurídica, moral e social entre os sexos. Com esse espírito, a Constituição Federal, contempla no capítulo dos Direitos Fundamentais e em outros dispositivos, especificamente, a condição da mulher, garantindo-lhe tratamento igualitário.
Mas, a par dos direitos fundamentais dispostos na Ordem Constitucional, a mulher busca o direito de ser um ser que tem vontade. Vontade não apenas de chorar, amar, ser conquistada, receber flores, ser feminina, mas vontade de ser cidadã, de ver reconhecido seu direito de ser mulher, na dimensão do biológico, do social e do político; de ver respeitado seu direito de dizer não, de dizer sim, de protestar, escolher e lutar; de participar, enfim, do processo de construção da humanidade, de forma real, sem traumas e espontaneamente.
Não vai longe o tempo em que uma mulher ansiosa por uma carreira podia escolher apenas entre ser enfermeira, secretária ou professora. Hoje, ela atua em todos os campos, descobrindo novos caminhos, destacando-se como presença majoritária nas Universidades, onde muitas respondem por suas Reitorias. Ocupam postos nos Tribunais Superiores, nos Ministérios, no topo de grandes empresas, em organizações de pesquisa de tecnologia de ponta. Pilotam jatos, comandam tropas, perfuram poços de petróleo. Na seara comercial, cultural e política a presença feminina é marcante.
Com a mulher atuando no campo político, como Governadoras, Prefeitas, Deputadas, Senadoras, Vereadoras, vislumbra-se não apenas a detenção de uma parcela de poder, mas, principalmente, a oportunidade de promover mudanças generosas e inteligentes. Por detrás da irreversível globalização do mundo e das manchetes de violência, existe uma crise silenciosa de subdesenvolvimento, de pobreza, de degradação do meio ambiente, de pressões sobre a estrutura familiar e de preconceitos. Não é crise que se solucione de baixo para cima através de intervenções econômicas.
Adélia Prado escreveu:
COM LICENÇA POÉTICA.
Quando nasci um anjo esbelto,
desses que tocam trombeta, anunciou:
Vai carregar bandeira.
Cargo muito pesado pra mulher,
esta espécie ainda envergonhada.
Aceito os subterfúgios que me cabem,
sem precisar mentir.
Não sou tão feia que não possa casar,
acho o Rio de Janeiro uma beleza e
ora sim, ora não, creio em parto sem dor.
Mas o que sinto escrevo. Cumpro a sina.
Inauguro linhagens, fundo reinos
(dor não é amargura).
Minha tristeza não tem pedigree,
já a minha vontade de alegria,
Sua raiz vai ao meu mil avô.
Vai ser coxo na vida, é maldição pra homem.
Mulher é desdobrável. EU SOU.
14/09- 17h13