O artigo “Diminuir os crimes no trânsito”, de autoria do conselheiro seccional e corregedor-adjunto da OAB-GO Pedro Paulo Guerra de Medeiros, foi publicado na edição de domingo (1º) do jornal O Popular. Confira:
Ao final de cada ano aumentam os índices de acidentes de trânsito diante do incremento do fluxo de veículos nas estradas e nas ruas, aliado ao costume de ingerir bebida alcoólica em todas as festividades que ocorrem nesse período. A lei, como existe hoje, não tem surtido o efeito necessário, que é o de evitar que esses acidentes ocorram. O principal motivo é que ela estabelece como crime o ato de conduzir veículo estando o motorista com concentração de álcool por litro de sangue superior a seis decigramas. A descrição é clara e objetiva, mas restrita, porque o motorista somente será condenado se ficar provada a existência daquela exata quantia de álcool em seu sangue, ou superior. E os únicos meios de prova possíveis são o bafômetro ou o exame de sangue, ainda que seja evidente o estado de embriaguez do motorista. Não se pode, apenas pela percepção visual, indicar o quanto de álcool há no sangue.
Sabemos que as provas realizadas com bafômetro e sangue somente podem acontecer com a permissão do investigado (no caso, o motorista), pois em nosso sistema vige a proibição de obrigar alguém a produzir prova contra si. Isso está no Pacto de San José da Costa Rica e no Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, tratados internacionais sobre direitos humanos assinados pelo Brasil.
Ultimamente se tem notícias de sugestões para imposição de penas para aquele que se recusar ao bafômetro ou ao exame de sangue, como multa ou prisão por desobediência, o que caracteriza um paradoxo: reconhece-se o direito de não se autoincriminar, e ao mesmo tempo pune-se quem se vale desse direito há pouco reconhecido.
Parece adequada, portanto, harmonizando interesses utilitaristas (que querem uma solução prática e racional ao problema) e humanistas, ideia de alteração legislativa visando suprimir a menção à quantidade de álcool no sangue do motorista, passando então a prever como crime o mero ato de "dirigir embriagado", desde que fique claro que embriagado não significa o consumo de qualquer quantidade de álcool, mas apenas aquela que afete os reflexos necessários para uma direção segura. Ou seja, não se criminalizariam condutas como beber pequenas quantidades de álcool e dirigir sem aumentar o risco de acidentes, mas apenas a direção embriagada. A condição de embriaguez poderia ser verificada visualmente, sem o recurso ao bafômetro, desde que fundada em testes objetivos, gravados e corroborados por testemunhas. Poderia até mesmo se prever que um bafômetro esteja à disposição, caso o condutor decida usá-lo para refutar a constatação visual de embriaguez.
A ideia defendida, por exemplo, pelo professor Pierpaolo Bottini em artigo publicado recentemente na Folha de S. Paulo , é de que não se criminalizará a mera conduta de dirigir após ingerir álcool, mas a condução de veículo por alguém sem posse de completas faculdades de percepção e reação devido ao consumo excessivo de álcool, colocando em perigo – mesmo que por hipótese – outras pessoas.
Com isso, e com o aumento da já bem exercitada fiscalização, é possível a execução de política de prevenção de acidentes e cometimento de imprudências, sem que se abra mão do uso do direito penal, mas sem que também se banalize sua aplicação, evitando que seja aplicado na mesma intensidade para todo e qualquer motorista, sem que se considere o risco criado no caso concreto.