“Crimes na internet, legislação ineficaz!”, por Alex Neder

08/01/2013 Artigo, Notícias

Leia o artigo do conselheiro seccional da OAB-GO, Alex Neder.

Estamos experimentando os primeiros anos do terceiro milênio, adentrando no século 21, quando nos deparamos com um significativo aumento da violência urbana e crimes de naturezas diversas. Chamo a atenção do leitor para os crimes cibernéticos, praticados através do mundo virtual, no vasto estuário da internet, que ganhou o mundo trazendo avanços e ganhos substanciais, mas com eles também, os famosos hackers e os cibercrimes.
                    
No último dia 3 de dezembro do ano que se finda foi publicada no Diário Oficial da União a lei 12.737/12, que criminaliza as condutas cometidas através da internet, tais como: invasão de computadores, roubo e/ou furto de senhas e de conteúdos de e-mails e a derrubada intencional de sites, inclusive oficiais, o que tem ocorrido em todo o mundo. A lei entrará em vigor em abril de 2013.
                     
A nova lei criou grande expectativa, principalmente para os operadores do direito, pois se esperava que a nova legislação trouxesse inovações e tipos penais precisos para preencher as lacunas da nossa legislação penal. Ledo engano, caros leitores, a lei trouxe avanços pouco significativos, tipo penal confuso e pena tão branda, incapaz de, sequer, intimidar o transgressor, tamanha sua ineficiência no mundo jurídico.
                        
Vejamos o tipo penal do art. 154-A: ?Invadir dispositivo informático alheio, conectado ou não à rede de computadores, mediante violação de mecanismo de segurança, e com o fim de obter, adulterar ou destruir dados ou informações sem autorização expressa ou tácita do titular do dispositivo ou instalar vulnerabilidades para obter vantagem ilícita?: Pena- detenção, de 3(três) meses a 1(um) ano, e multa.
                       
Ora, o legislador criou um tipo penal confuso, para caraterização do crime de invasão, segundo a redação do tipo, é preciso que o sistema esteja protegido por ?mecanismos de segurança?, tais como senhas, firewall, ou outro sistema qualquer, pois a lei fala expressamente em violação indevida de mecanismos de segurança. Não havendo dispositivos de segurança não haverá crime? Do ponto de vista técnico jurídico, possivelmente, não! Bastava o legislador ter dito ?invadir dispositivo informático alheio?, o cidadão não é obrigado a ter sistemas de segurança em seu computador, o Estado é obrigado a proteger o cidadão, seu escritório, sua casa, sua empresa.
                     
A pena do tipo penal é totalmente ineficaz e ineficiente, vejam só, quem cometer esse crime, dificilmente responderá a um processo, a menos que ele queira e deverá se esforçar muito para isso. Havendo infração ao artigo 154-A; o procedimento irá para um dos Juizados Especiais Criminais, lá chegando haverá todo o rito previsto na lei 9.099/95; primeiro o transgressor tem o direito da transação penal prevista no artigo 76 da mencionada lei, ou seja, ele aceita prestar um serviço comunitário ou ele paga uma cesta básica e tudo fica resolvido; cumprindo os termos da transação o procedimento é arquivado. Mas, suponhamos que o transgressor, depois de cumprido os termos da transação, cometa nova invasão a um computador alheio, de uma empresa qualquer, o procedimento irá novamente para o mesmo Juizado, e ele terá o direito agora da suspensão condicional do processo, previsto no artigo 89 da citada lei 9.099/95, pois a lei faculta ao transgressor utilizar-se dos dois benefícios, transação e suspenção condicional do processo, o fato de utilizar-se de um, não elimina a possibilidade de utilizar-se do outro.
                      
Mas, suponhamos que esse cidadão seja realmente um hacker incorrigível e, depois de usar dos benefícios da lei 9.099/95, ele transgrida novamente, aí o Juiz dirá que agora ele deverá enfrentar o processo, assistido por um bom advogado. Se a invasão não se deu ?mediante violação indevida de mecanismo de segurança?, a defesa irá alegar que não houve crime, por quanto o computador invadido não dispunha de mecanismos de segurança, como exige o zeloso legislador!
                     
O § 2º do mesmo artigo 154-A diz, que a pena é aumentada de um sexto a um terço se da invasão resulta prejuízo econômico; o aumento não terá o poder de restringir a liberdade de ninguém, e também não impedirá o infrator de utilizar dos benefícios da lei 9.099/95; o infrator somente deverá ressarcir o dano se tiver condições financeiras para tanto.
                     
O que foi um pouco significativo, foi a alteração do artigo 266, com o acréscimo dos parágrafos 1º e 2º, para o infrator que ?interrompe serviço telemático ou de informação de utilidade pública, ou impede ou dificulta-lhe o restabelecimento?. Mas continuará o infrator a ser beneficiado pela mesma lei 9.099/95, em função das penas dos novos artigos serem muito brandas, incapazes de punir com eficiência, e pior, não conseguir intimidar o infrator, outro ponto negativo da atual legislação.
                     
Por incrível que possa parecer, a salvaguarda ainda é nosso velho Código Penal de 1940, que continuará a ser utilizado para coibir, inibir e punir crimes dessa natureza.
                      
Segundo especialistas da área, aproximadamente 90% (noventa) por cento dos delitos cibernéticos ainda podem ser combatidos pelo velho código penal, embora existam algumas opiniões das quais me filio, que deveríamos ter uma legislação especifica e mais aprimorada, pois o direito penal não permite a interpretação extensiva e analógica. Deveríamos aproveitar o que há de bom no atual Código Penal, mas, sem dúvida, devemos aprimorar e elaborar uma legislação específica para combater os crimes cibernéticos.
                          
Não podemos olvidar que os crimes informáticos são realizados num ambiente de pouca vigília num ambiente virtual, o que faz diminuir a capacidade de defesa das vítimas pela sua impotência, e aumentar o poder de lesividade dos cibercrimes, que se tornam bem mais gravosos que os crimes praticados no plano físico.
                          
Apenas para ilustrar, o Código Penal combate os crimes de estelionato, de dano, de furto, dentre outros; o crime de furto prevê penas de 2 a 8 anos para o furto qualificado, esse delito é aquele praticado com ?destruição ou rompimento de obstáculo à subtração da coisa?; ou mediante ?fraude ou destreza?; com ?chave falsa?, ou mediante concurso de ?duas ou mais pessoas?, as circunstâncias agravantes que aumentam as penas são semelhantes. Ora, os crimes cibernéticos praticados por uma pessoa através de um computador podem reunir quase todos esses elementos em uma só conduta.
                        
Na ausência de uma legislação atual e aprimorada, na realidade, o que está mantendo a segurança jurídica e social é o nosso velho Código Penal, que mesmo com o passar dos anos, sua legislação é de tão boa qualidade que está combatendo crimes do terceiro milênio. A pergunta é, como isso é possível? Sorte ou coincidência? Não, caro leitor, não é sorte nem coincidência, é qualidade mesmo, não temos mais, salvo raríssimas exceções, legisladores do estofo de um Nelson Hungria, papa do direito criminal brasileiro, respeitado em todo mundo; não temos mais um Dr. Alcântara Machado; não temos mais juristas de boa cepa como Heleno Claudio Fragoso, Aníbal Bruno, José Frederico Marques; e não temos mais um brilhante Roberto Lira, homens que conheciam o direito penal e sabiam como fazer leis, e que deram suas contribuições na elaboração do nosso atual Código Penal e sua famosa reforma de 1984, através da lei 7.209/84.
                            
Infelizmente hoje, o que temos são legisladores com pouco conhecimento do direito, ressalvando as poucas exceções; parlamentares despreparados e mal assistidos, que escolhem ?juristas? para integrar comissões na elaboração de leis, sem nenhum critério técnico.
                             
Enquanto se perdurar essa lamentável situação, teremos leis ineficazes e ineficientes como esta, que não protegem a sociedade e nem dão a segurança jurídica necessária, e estaremos sempre insatisfeitos, com o sentimento de impunidade e ausência de proteção, como se nossas instituições não funcionassem, e não funcionam mesmo, com instrumentos legislativos que nascem com sérias deficiências que comprometem quase por completo seu objetivo e eficácia!

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