Constituição completa 17 anos: “A cidadania ainda por conquistar” diz Miguel Cançado

05/10/2005 Antiga, Notícias


05/09 – 18h


O artigo “A Cidadania ainda por conquistar” é de autoria do presidente da OAB-GO, Miguel Cançado e foi publicado na edição desta quarta-feira, 5, de O Popular:


 


Há exatos dezessete anos, Ulysses Guimarães promulgava aquela que o velho líder chamou de “constituição cidadã”, numa oportuna referência, e, pode-se dizer, reverência ao retorno do povo brasileiro ao centro das decisões. Era o tão sonhado resgate da cidadania brasileira, já que, a partir de então, com a entrada em vigor do novo texto fundamental, o País passava a contar com a base legal necessária para a efetivação dos direitos e garantias individuais, tornando assim possível pensar em uma sociedade mais justa e igualitária, tornando-se sagrada a preservação dos direitos humanos.


Mas, passados esses dezessete anos, e envolto o País mais uma vez em grave crise institucional, as indagações são freqüentes: temos o que comemorar no campo constitucional? Teria se equivocado, ou ao menos exagerado, o Dr. Ulysses, quando cunhou aquele apelido para o texto constitucional então promulgado? 


Constitucionalistas de renome têm dito com freqüência que se trata do melhor texto constitucional da história do Brasil. E não é sem razão que o dizem, posto que, além de retratar bem a sociedade brasileira de então, a Constituição de 1988 trouxe efetivos avanços sociais, abandonando a tradição patrimonialista do Direito brasileiro dos séculos passados, dando a ele uma nova conformação, muito mais humanista, voltada para a dignidade da pessoa humana.


Retratando com maestria a história constitucional brasileira, o Prof. Luiz Roberto Barroso diz, em artigo publicado na Revista Latino-Americana de Estudos Constitucionais (2/167), que “a experiência política e constitucional do Brasil, da Independência até 1988, é a melancólica história do desencontro de um país com sua gente e com seu destino”.


 Pois bem, a ruptura com essa triste e longa quadra da nossa história ocorreu exatamente com a promulgação do texto constitucional vigente, que merece ser comemorado sim, muito embora ainda não tenhamos rompido as profundas desigualdades sociais; não tenhamos ainda nos livrado dos fantasmas do nepotismo e da corrupção,  tão presentes nos dias atuais; a inflação ainda é um dragão adormecido na nossa sala ou no nosso quintal, pronto para atacar a qualquer momento. A segurança pública e a justa distribuição de renda ainda não passam, como tantas outras, de utopias desta nossa Constituição cidadã vasta em cláusulas abertas.


Momentos como os que vivemos hoje trazem sempre um sentimento quase geral de que algo precisa mudar. Há até os que defendem a transformação do atual Congresso do mensalão e mensalinho em Assembléia Nacional Constituinte. Estão certos os que defendem profundas mudanças nas nossas estruturas de poder, mas não há de ser vilipendiando o texto constitucional que iremos melhorar o País. Afinal, é preciso perceber,  como ensina o citado Professor Barroso, que foi sob a Carta de 1988 que atravessamos no passado recente, e estamos cruzando hoje, graves crises “sem que uma voz sequer se manifestasse pelo desrespeito às regras constitucionais”.


Não é incorreto dizer que a profusão de emendas ao texto originário – já são mais de cinqüenta – atentam contra a vontade da Nação, mas também não é menos correto afirmar que uma constituição não nasce pronta, devendo ser adaptada conforme a evolução das demandas sociais. Todavia, o que a sociedade e a cidadania brasileira não podem admitir é o exercício do poder reformador para situações casuísticas como a recentemente anunciada que pretende modificar o Art. 16 para possibilitar a edição de regras eleitorais sazonais, como tivemos no passado. 


No entanto, se temos o que comemorar, já que a Constituição Brasileira caminha para a sua maioridade civil, entrando no seu décimo oitavo ano, não podemos nos esquecer, como lembrou o Professor Paulo Bonavides em palestra proferida na Ordem dos Advogados do Brasil, que “não é democrático o país que governa para banqueiros, concentra a renda e perpetua o privilégio, que tem nas cidades uma classe média empobrecida e aviltada, que deixa à fome e ao abandono, sem terra, sem pão, sem emprego, sem teto, sem saúde, sem hospital e sem escola, milhões de brasileiros, arremessados à penúria e indigência; um país que na falácia social da Abolição, transcorridos mais de cento e dez anos, fez o alforriado  de ontem sair das senzalas da escravidão negra para as favelas da escravidão branca”.


Enfim, é preciso e urgente que saibamos todos respeitar e fazer efetivo o texto constitucional. Este deve ser o sentimento da Nação, mas deve ser, sobretudo, a maneira de conduzir o País pelas camadas dominantes. Para finalizar, lembro o que disse o Professor Luiz Edson Fachin durante a XIX Conferência Nacional da OAB realizada há uma semana em Florianópolis: “A essa expedição contra a Constituição brasileira  não se pode ficar indiferente, sob pena de legitimar-se uma saída que é um salto para o passado”. 


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