Congresso discute Direito Administrativo

30/05/2006 Antiga, Notícias

 


As novas propostas de modernidade e agilização do Direito na Administração Pública estão entre os principais objetivos do 5º Congresso Goiano de Direito Administrativo, promovido pelo Instituto de Direito Administrativo de Goiás (IDAG). O evento começou hoje e vai até quinta-feira, 1º de junho, no Centro de Convenções de Goiânia. A primeira palestra do congresso, com o tema O Estado em juízo: prerrogativas ou privilégios, foi proferida pelo professor Romeu Becellar Filho (foto), do Paraná.


Participaram da solenidade de abertura os presidentes: da OAB-GO, Miguel Ângelo Cançado, do IDAG, Fabrício Motta, o presidente de honra do Instituto, Nelson Figueiredo, o procurador geral do Estado, João Furtado (representando o governador Alcides Rodrigues), o deputado Wilmar Rocha, representantes da Aganp, além de grandes nomes da administração pública de seis estados e do Distrito Federal.



Este ano participam do evento cerca de 500 inscritos, entre gestores, advogados, promotores e procuradores, além de servidores públicos, prefeitos, vereadores e acadêmicos. Voltado para a melhoria e agilidade dos serviços, o evento busca a desburocratização e a modernização da gestão pública em benefício da comunidade. Com a meta de desenvolver medidas que norteiem a aplicação do Direito Administrativo, o Congresso deve identificar, assimilar e indicar soluções para os desafios da área, de modo que as novidades se façam sentir o mais rápido possível junto à sociedade.


O presidente do IDAG, Fabrício Motta, destacou os benefícios alcançados pelas edições anteriores do evento. “Temos como grandes conquistas para o Direito Administrativo em Goiás a edição de uma lei geral de processos, o aumento de recursos à administração pública, o respeito às leis orçamentárias e a criação de um plano de carreira e da Escola de Governo, que valorizaram de maneira significativa os agentes públicos em Goiás.”


O vice-presidente do IDAG, Taveira Neto, exemplifica como os reflexos de congressos como este podem ser sentidos na sociedade. “Sabemos que as desapropriações levam 20, às vezes 30 anos para ser quitadas. Se o gestor público estiver atualizado, aplicar os novos conceitos que são desenvolvidos a cada ano, essas pendências poderão ser resolvidas num tempo bem menor”, diz ele. E complementa afirmando que, graças ao sucesso dos congressos realizados anteriormente pelo IDAG, em agosto deste ano, Goiânia vai sediar também o 20º Congresso Brasileiro de Direito Administrativo, em agosto.


 


A seguir, a íntegra do discurso do presidente do IDAG, Fabrício Motta:


 


Senhoras e Senhores,


O Instituto de Direito Administrativo de Goiás – IDAG, entidade científica, independente e sem fins lucrativos, hoje inicia o V Congresso Goiano de Direito Administrativo. Pelo quinto ano consecutivo, este importante evento jurídico – o mais conceituado do Estado – é realizado com o intuito de alcançar conclusões – e propor novas indagações – a respeito dos temas sempre polêmicos que se fazem presentes na práxis administrativa.


Em junho de 2002, em concorrida solenidade no Castro´s Park Hotel, era realizada a abertura do I Congresso Goiano de Direito Administrativo. O IDAG, então com pouco tempo de vida, dava seus mais firmes passos para concretizar o ideal de seu fundador e hoje Presidente de Honra, Professor Nélson Figueiredo: tornar-se uma instituição plural, cientificamente conceituada e eticamente comprometida. Deve ser registrado que o incentivo decisivo para a criação e fortalecimento do Instituto foi a realização, no ano 2000, do Congresso Brasileiro de Direito Administrativo aqui em Goiânia, comandado à época por seu mais atuante e competente presidente, o prof. Romeu Bacellar, entusiasta do IDAG desde sua fundação até os dias de hoje.


Desde então, anualmente, fiel às diretrizes traçadas por seu fundador, o IDAG proporciona aos estudiosos goianos a oportunidade de debater, com os mais destacados doutrinadores do país, os fundamentos, as transformações e as esperanças portadas pelo Direito Administrativo. Prezado Professor Nélson, sem o seu pioneirismo, dedicação, obstinação e idealismo, nada disto seria possível. É uma honra para a Diretoria do IDAG seguir seus passos e continuar dando vida a um de seus sonhos. Um dado importante merece registro: o sopro de vida


Naquele ano de 2002 discutíamos um virtual cenário futuro promissor, certamente em razão da realização das eleições e da possibilidade de mudança dos rumos da Nação.  Sabemos, contudo, que a efetivação da Administração democrática continua esbarrando nos problemas sociais de nosso país. Destaca-se nesse particular a falta de desenvolvimento econômico, sem o qual não se promove justiça social; em decorrência, a profunda marginalização que condena milhões de compatriotas à ignorância, à doença, ao desemprego e até mesmo à fome.


Parece, a essa altura, que “a fábrica de sonhos acabou, era um bom bom-bocado sem licor”, como cantou Gonzaguinha.


A distância entre realidade e fantasia, ser e dever ser, doutrina e prática segue aumentando e deixando cicatrizes profundas. Continuamos pregando a substituição do Direito Administrativo ligado somente à defesa do cidadão, por um outro, que ampare e possibilite transformações sociais. Pregamos o controle da implementação, execução e fiscalização dos serviços e das políticas públicas, mecanismos ativos de promoção dos direitos fundamentais. Louvamos a constitucionalização dos princípios e regras tocantes à Administração Pública, como decorrência lógica do triunfo do constitucionalismo e da democracia. Pleiteamos uma nova pauta de relacionamentos entre Estado e sociedade, pautada no respeito mútuo, no diálogo e na indiscutível constatação de que o cidadão é o fim supremo da Administração pública. Continuamos sonhando, por fim, que a Administração Patrimonialista tenha sido sepultada em meados do século XIX, e que hoje assistimos ao triunfo da chamada Administração Gerencial.


A constatação desoladora de hoje, contudo – e para ser elegante e sucinto – é a mesma de Raimundo Faoro, no já longínquo ano de 1957, ao analisar em seu Os donos do poder nossa viagem do patrimonialismo ao estamento:


“A máquina estatal resisitiu a todas as setas, a todas as investidas da voluptuosidade das índias, ao contato de um desafio novo – manteve-se portuguesa, hipocritamente casta, duramente administrativa, aristocraticamente superior. E o povo, palavra e não realidade dos contestários, que quer ele? Este oscila entre o parasitismo, a mobilização das passeatas sem participação política, e a nacionalização do poder, mais preocupado com os novos senhores, filhos do dinheiro e da subversão (…) A lei, retórica e elegante, não o interessa. A eleição, mesmo formalmente livre, lhe reserva a escolha entre opções que ele não formulou”.


E seguimos, com a impressão de que escrevemos fábulas, vendemos ilusões, somos personagens de uma historieta mal escrita, repleta de vilões, onde se espera que o bem vença no final. Seguimos, como averbou o Min. Marco Aurélio em sua recente posse no TSE, no mundo encantado do faz de conta. Disse Sua Excelência:


“Faz de conta que não se produziu o maior dos escândalos nacionais, que os culpados nada sabiam – o que lhes daria uma carta de alforria prévia para continuar agindo como se nada de mal houvessem feito. Faz de conta que não foram usadas as mais descaradas falcatruas para desviar milhões de reais, num prejuízo irreversível em país de tantos miseráveis. Faz de conta que tais tipos de abusos não continuam se reproduzindo à plena luz, num desafio cínico à supremacia da lei, cuja observação é tão necessária em momentos conturbados”.


Algum bom feito há que ser destacado, contudo, mesmo nesse tenebroso e conhecido cenário em que nos dirigem – e que não merece maiores considerações para que nosso humor fique preservado durante todo o Congresso. Nesse sentido, algumas transformações na Administração Pública Goiana, durante esse período (do primeiro Congresso até hoje), merecem referência:


·  Criaram-se estruturas de organização e decisão mais claras, pautadas pela atribuição de competências, que não se confundem com as pessoas que as comandam. A existência de instâncias despidas da marca da pessoalidade permite ao cidadão uma mais fácil identificação de qual órgão ou entidade é responsável por qual atividade administrativa;


·  A edição de uma lei geral de processo administrativo padroniza as atuações administrativas e privilegia direitos e garantias constitucionais dos cidadãos. Desta maneira, ampla defesa, contraditório, motivação, participação e transparência são, hoje, princípios constitucionais acolhidos de forma expressa em lei, reforçando sua eficácia concreta;


·  Os agentes públicos necessitam de valorização e treinamento para o desempenho de suas funções em grau satisfatório. Dois aspectos merecem realce nesta seara: a criação de planos de carreira e a instituição da Escola de Governo, órgão responsável pelo constante aperfeiçoamento técnico e humano do servidor estadual.


·  O respeito às instituições de controle externo e a criação de um órgão responsável pelo controle interno do Executivo – exigência desde 1988 –  contribuem, sobremaneira, para o controle do poder nos moldes constitucionalmente exigidos.


·  A realização de diversos concursos públicos é exigência constitucional, em atenção aos princípios da república, isonomia e eficiência. É o início – e somente o início – do combate à nefasta prática de fazer da Administração Pública uma extensão da casa ou da família, verificada comumente em todas as esferas da federação e em todos os círculos de poder.


 


Entretanto, muito há por fazer e muito mais por mudar – mas o processo de mudança, inexorável, é contínuo e impessoal, e deve correr independente da troca de comando no topo da Administração Estadual. Alguns pontos, em minha estreita visão, merecem atenção daqui para frente:


– o aumento dos recursos destinados à segurança pública, de forma planejada, inteligente e transparente, pois de nada adianta o direito à dignidade se não for garantido o direito à vida;


– a drástica redução dos cargos em comissão, criados em sua maioria em acintoso desrespeito à Constituição Federal e passando ao cidadão a impressão de que não há limite para quem é “amigo do poder”;


– a edição de lei estadual para disciplinar os concursos públicos, privilegiando princípios constitucionalmente impostos, como isonomia, publicidade e moralidade e, além disso, consagrando o correto entendimento de que o aprovado em concurso possui direito subjetivo presumido à sua nomeação, no prazo de validade do certame;


– a edição de uma lei de licitações mais ágil e inteligente, como a lei do Estado da Bahia, que dote o administrador de mecanismos mais ágeis e inteligentes para selecionar a melhor proposta;


– o respeito às leis orçamentárias e à responsabilidade fiscal, no atual panorama em que não mais se admite que o orçamento seja uma peça de ficção, tampouco que o Estado se financie às custas do particular.


– os serviços públicos básicos, ligados à dignidade do cidadão, merecem investimento e atenção adequados para que, um dia, possam ser prestados com eficiência, modicidade e cortesia.


É necessário, enfim, que Estado e Governo não se confundam, sobretudo em razão da transitoriedade deste e da permanência daquele, e que permaneça aflorada a consciência de que administrar é servir ao público, e não servir-se dele. É necessária ação certeira para corrigir, inovar e avançar com coragem rumo à efetivação dos ideais constitucionais.


O cenário que se apresenta como pano de fundo para nossos estudos é, a cada novo dia, mais exigente e desafiador. Evoco Ruy Barbosa para dizer que mesmo vendo triunfar as nulidades, prosperar a desonra, crescer a injustiça, e agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, não temos o direito de desanimar da virtude, rir da honra, ter vergonha de ser honesto.


Vivemos em um Estado Democrático de Direito, em um sistema de primazia dos direitos fundamentais onde não se admite retrocesso. Vivemos em uma República onde o poder emana do povo e em seu nome e benefício deve ser exercido. Estamos sob a proteção da Constituição Cidadã e, ao mesmo tempo, precisamos protegê-la da violência com que costuma ser violada. Evoco mais uma vez as palavras do Min. Marco Aurélio de Mello:


“Àqueles que continuam zombando diante de tão simples obviedades, é bom lembrar que não são poucos os homens públicos brasileiros sérios, cuja honra não se afasta com o tilintar de moedas, com promessas de poder ou mesmo com retaliações, e que a imensa maioria dos servidores públicos abomina a falta de princípios dos inescrupulosos que pretendem vergar o Estado ao peso de ideologias espúrias, de mirabolantes projetos de poder”.


Senhoras e Senhores,


 


       Nada engrandece tanto um cidadão como o serviço prestado à sociedade, e nada como servir ao que vale à pena. As possibilidades de transformação por intermédio do estudo e aplicação do Direito Administrativo trazem-nos uma mistura de esperanças e responsabilidades. Este ano, teremos como incentivo adicional a realização, em Goiânia, do XX Congresso Brasileiro de Direito Administrativo, de 23 a 25 de agosto, onde esperamos contar com a presença de todos. Esperamos também que as reflexões e conclusões deste Congresso passem a orientar os passos da administração pública goiana na efetivação dos direitos, garantias e anseios do cidadão.


 


Agradeço, sinceramente,


          Aos congressistas que nos prestigiam desde a primeira edição do Congresso, razão de ser do evento;


         Aos professores de outros estados e aos professores goianos, que gentilmente atenderam ao nosso convite;


         Aos nossos patrocinadores e apoiadores; 


–   Aos órgãos e entidades que incentivaram a participação de seus servidores.


Com coragem, humildade, dedicação e inteligência, um dia haveremos de exigir a construção de uma sociedade realmente justa e solidária, onde o ser humano se realize em sua inteireza. Para que este venturoso dia chegue, não podemos jamais perder a capacidade de ficar indignados, como prega o mestre Romeu Bacellar. Termino novamente evocando a poesia de Gonzaguinha, que me inspirou a falar para os senhores e senhoras neste belo dia:


 


a gente quer viver pleno direito
a gente quer viver todo respeito
a gente quer viver uma nação
a gente quer é ser um cidadão


 


É disso que precisamos, é isso que merecemos! 


 


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