Artigo: O caso Renan e a crise do bicameralismo

25/09/2007 Antiga, Notícias

 


O artigo “O caso Renan e a crise do bicameralismo”, de autoria do presidente da Comissão de Estágio e Exame de Ordem da OAB-GO, Jônathas Silva, foi publicado na edição desta terça-feira (25) do jornal O Popular.


 


Impressionado com as instituições inglesas, Montesquieu, em sua obra clássica escrita no século 18, O Espírito das Leis, fez uma defesa do sistema bicameral, ao afirmar: “O corpo legislativo aí sendo composto de duas partes, uma submeterá a outra pela faculdade mútua de impedir”. Com efeito, essa defesa feita por Montesquieu tem sido muitas vezes repetida, sobretudo em governos que adotaram a técnica parlamentar e, especialmente, depois da experiência traumática da Convenção, em plena Revolução Francesa, quando surgiram os conceitos de direita e esquerda, assim como a definição do chamado Terceiro Estado, a grande invenção do Abade Sieyès, no âmbito dessa Convenção.


A partir dessa defesa, no século 18, segundo o saudoso professor Luiz Navarro de Britto, em O Parlamento no Mundo Moderno, os estudiosos e adeptos de um parlamento bicameral arrolam, entre outros argumentos em defesa do bicameralismo, as razões seguintes: a) melhoria dos projetos e freio contra as legislações de circunstância, oriundas de paixões momentâneas das massas; b) dilatação do processo legislativo, permitindo que a opinião pública conheça mais adequadamente a matéria; c) possibilidade de second view em questões controvertidas; d) presença de notáveis moderados nas decisões parlamentares.


Realmente, a diferença específica do bicameralismo é que a segunda Câmara, no caso brasileiro o Senado Federal, deveria ser uma casa moderadora, ou de reflexão, vez que é responsável pela participação dos municípios, dos Estados federais e Distrito Federal no âmbito nacional. Portanto, representa a Federação.


Lamentavelmente, alguns senadores não têm consciência de que o Senado brasileiro tem um rol de competência privativa, prevista no art. 52 e incisos da Constituição Federal, dentre elas, a de função judiciária de processar e julgar o presidente e o vice-presidente da República nos crimes de responsabilidade, os ministros de Estado e os comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, bem como processar e julgar os ministros do Supremo Tribunal Federal, os membros do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público, o procurador-geral da República e o advogado-geral da União nos crimes de responsabilidade.


Ademais, exerce, ainda, funções executivas, aprovar previamente, por voto secreto, após argüição pública, a escolha de: a) magistrados; b) ministros do Tribunal de Contas da União; c) presidente e diretores do Banco Central; d) procurador-geral da República e outras competências.


Com a importância do Senado no desempenho dessas competências que a Constituição lhe confere, a permanência de Renan Calheiros na presidência dessa Casa evidencia a crise – ou, antes, a desmoralização – do bicameralismo. Há um fortalecimento do unicameralismo, que foi defendido por João Mangabeira na constituinte de l934, quando afirmava, ao discutir a estrutura do Poder Legislativo, “basta uma Assembléia”, justificando que era mais lógico, mais barato e mais eficiente para o contribuinte. Após 1946, essa tese teve a adesão de Carlos Medeiros, Hermes Lima, Temístocles Cavalcante, Victor Nunes Leal, todos eles eminentes juristas, defendendo o unicameralismo.


Se o Senado, que tem o poder de julgar os ministros do Supremo Tribunal Federal e o procurador-geral da República, permitir que Renan Calheiros continue a exercer a sua presidência, mesmo em face de todos esses escândalos e diante do clamor público que repudia a hipótese de sua permanência, estará, no mínimo, contribuindo para o fortalecimento da crise do bicameralismo e abrindo o caminho para que esse modelo seja substituído pelo unicameralismo. Esta seria uma opção ética.


 


25/9 – 11h30

PHP Code Snippets Powered By : XYZScripts.com
×