Artigo: Nova corte do corporativismo?

17/07/2007 Antiga, Notícias

O artigo Nova corte do corporativismo?, de autoria do jornalista Armando Acioli, foi publicado nesta terça-feira (17) no Jornal O Popular.


 


O Conselho Nacional de Justiça (CNJ), órgão corregedor do Judiciário, ainda não saiu do papel e tudo continua como dantes: a Justiça é rápida para julgar os pés-de-chinelo e morosa quando se trata da punição de corruptos e de corruptores poderosos. O Supremo Tribunal Federal (STF), por exemplo, que deveria ser modelo às demais instâncias, há mais de decênios não puniu nenhuma autoridade, conforme revelou recentemente O Globo. O chamado foro privilegiado é uma discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais, pois é o manto da impunidade de figuras dos altos escalões em nível federal, dos Estados e dos municípios. Agora, já se cogita, no Congresso Nacional, da criação do Tribunal Superior da Probidade Administrativa com o objetivo de julgar autoridades (de ministros a desembargadores e co-réus) que incorrem em delitos de corrupção. Esse tribunal, segundo a proposta de emenda constitucional, terá onze componentes indicados pelo STF, aprovados pelo Senado e nomeados pelo presidente da República. Será mais uma embromação do Congresso, pois se aprovado, haverá o corporativismo.


Armando Acioli


Ora, o CNJ surgiu para sanar desmandos em segmentos do Judiciário, mas até agora essa instituição não disse a que veio. Tanto que, em diversas regiões do País, desembargadores, juízes e até um ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) já foram denunciados pelo Ministério Público e pela Polícia Federal por práticas de graves desvios de conduta, mas não se tem notícia de qualquer medida concreta do CNJ sobre a punição deles. Em suas exaustivas atividades no território nacional, inclusive na Operação Caça-Níqueis e na Operação Furacão, o sério e moralizador trabalho da PF vai por água abaixo, porque o injusto foro privilegiado acoberta os acusados do Judiciário com a benevolência do STF. É notório que alguns ministros desse tribunal são pródigos na concessão de liminares e habeas-corpus a implicados na malha dos sucessivos descaminhos. Basta dizer que, de algum tempo para cá, mais de 5 mil pessoas envolvidas em delitos, notadamente do colarinho branco, como o pagamento de propinas aos mensaleiros, foram denunciadas, mas ninguém foi condenado. O foro privilegiado é o biombo da impunidade.


No caso específico do Conselho Nacional de Justiça, em vez de atuar como órgão corregedor, ele, na verdade, tem feito a blindagem dos envolvidos em atos de improbidade e abusos de poder, como ocorre, na sua maioria, com instituições similares, sobretudo nas Polícias Militar e Civil.


Quanto à eficiência da atuação da Polícia Federal, que tem cortado na própria carne para cumprir sua missão com fidelidade, foi estranha a postura adotada pelo ministro da Justiça, Tarso Genro, a quem a PF é jurisdicionada. Em declarações à imprensa, ele tentou desqualificar as investigações desta polícia sobre a situação do ex-ministro de Minas e Energia, Silas Rondeau, do PMDB, indiciado em inquérito da PF por recebimento de R$ 100 mil de propina da construtora Gautama. O ministro da Justiça chegou a dizer que não havia provas contra Rondeau. Aliás, se esboçou até um movimento em círculos governistas para seu retorno ao ministério, contando inicialmente com o respaldo do Planalto, mas depois o presidente Lula descartou tal possibilidade. Eticamente, não ficou bem para o ministro da Justiça defender o ex-ministro e desprezar o inquérito da PF que indiciou Silas. Até na Petrobrás já foi descoberta roubalheira.


Ainda sobre a aberração jurídica do foro privilegiado – uma ofensa ao Estado Democrático de Direito –, pois ele não é previsto na Constituição de 1988, a Carta Magna insere apenas um jogo de proteção mútua entre os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Mas já surgem protestos. A Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) iniciou campanha, em nível nacional, para acabar com essa vergonhosa prerrogativa. Até porque esse foro, além de acintoso ao Estado de Direito, só tem um objetivo: garantir que autoridades e políticos corruptos e corruptores continuem incorrendo em ações ilícitas com seus comparsas e permaneçam impunes. A AMB também abriu campanha contra a corrupção oficializada e certamente terá o apoio da Associação Nacional do Ministério Público, da Ordem dos Advogados do Brasil, da Associação Brasileira de Imprensa e demais instituições não-governamentais. Como não poderia deixar de ser, o foro privilegiado, a corrupção e a impunidade merecem o formal repúdio de toda a sociedade.


Agora, de algum tempo a esta parte, enquanto o presidente do Senado, Renan Calheiros, vive seu inferno astral; o ex-senador Joaquim Roriz renunciou ao mandato por suspeitas de ato de improbidade; o Apagão Aéreo continua, enquanto a Polícia Federal, a cada dia, descobre novos escândalos de corrupção, não se fala mais no propinoduto organizado pelo ex-ministro José Dirceu e executado por Marcos Valério; os mais de 40 parlamentares que receberam propinas para votar pró-governo; o dossiê Vedoin; a origem do dinheiro (R$ 1,7 milhão) apreendidos pela PF, num hotel de São Paulo, em poder de Valdebran Padilha e Gedimar Passos; a montanha de dinheiro do caixa 2 do PT; a misteriosa morte de Celso Daniel, ex-prefeito de Santo André, além de outros fatos que abalaram a República, estranhamente caíram no esquecimento do governo da União e da Justiça. O mais grave e inexplicável sobre esse apagão moral em setores públicos e privados do País, é que, não obstante as judiciosas denúncias do procurador-geral da República, Antônio Fernando de Souza, e demais integrantes do Ministério Público, todos os denunciados estão impunes. Quanto à iniciativa de se criar o Tribunal Superior da Probidade Administrativa para julgar autoridades indiciadas por corrupção, não é preciso dizer que esse tribunal será mais um engodo, porque não terá a necessária independência em suas decisões. Se não não for extinto o foro privilegiado, que fere o princípio de igualdade da lei, esse tribunal, a exemplo dos interesses subalternos entre os poderes da União, dos Estados e dos municípios, terá a marca registrada do protecionismo e da impunidade.


 


17/7 – 10h04


 

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