Artigo: Montesquieu se revira no túmulo

31/07/2007 Antiga, Notícias

 


O artigo “Montesquieu se revira no túmulo”, de autoria do presidente da Comissão de Estágio e Exame de Ordem da OAB-GO, Jônathas Silva, foi publicado na edição de hoje (31) do jornal O Popular.


 


No contexto do Direito Constitucional contemporâneo, percebe-se de forma bem nítida a importância da doutrina da separação dos poderes do Estado como a garantia básica para a liberdade dos indivíduos. Essa doutrina foi formulada por Montesquieu, no século 18, na perspectiva de um autêntico Estado liberal-burguês.


Entretanto, cumpre ressaltar que o filósofo francês não defendeu uma separação estanque, como foi previsto na Constituição brasileira de 189l, e, sim, uma divisão de funções entre os três poderes do Estado. A propósito dessa divisão, pondera o saudoso professor Nelson de Sousa Sampaio que cada um detenha a parte principal das atribuições que, materialmente ou quanto ao conteúdo delas, lhe deveria pertencer. Nenhum poder, entretanto, possui o monopólio de cada função estatal. O Legislativo não faz apenas leis; o Executivo não se limita a praticar atos executivos; e o Judiciário não se reduz às lides jurídicas. Cada um deles reúne a maior soma dessas respectivas atribuições, mas conserva pequena parcela de competência que, por sua natureza, seria própria dos outros dois poderes.


Vê-se com uma clareza cartesiana que a doutrina de Montesquieu estruturou um sistema de “freios e contrapesos”, denominados pelos constitucionalistas americanos de Checks and balances, em que “o poder freia o poder”, a fim de evitar o retorno ao absolutismo. Em sua obra Do Espírito das Leis, traduzida por Fernando Henrique Cardoso em parceria com o cientista político Leôncio Martins Rodrigues, obra incluída na coleção Os Pensadores, ao descrever as instituições inglesas do século 18, no livro 11, capítulo 6, Montesquieu afirma categoricamente: “Para que não se possa abusar do poder, é necessário que, pela natureza das coisas, o poder detenha o poder”.


Em face desta afirmação, indaga-se: será que no Brasil atual funciona um sistema de freios e contrapesos, a saber, um poder detendo outro poder? Lamentavelmente, a resposta é não. Ao contrário, o que se vê é um desequilíbrio entre os poderes. A doutrina de Montesquieu, embora seja do século 18, ainda não chegou ao Brasil, ao território dos que proclamam que o poder pode e sabe tudo e, ainda, que garantem ser ele eterno, transmitido de uma geração para outra. Até agora só temos um poder, o onipotente e onipresente Executivo. Este, auto-suficiente, não aceita o freio de outro poder. Com sua presidência imperial, tem no presidente um autêntico “ditador constitucional”.


Ademais, o Executivo é um poder que amesquinha o Legislativo, usurpando a sua competência de legislar, ao abusar das medidas provisórias. Influencia a escolha dos seus dirigentes, valendo-se do arranjo institucional de um presidencialismo de coalizão e da exigência de uma maioria parlamentar para viabilizar a dita “governabilidade” (que atualmente se confunde com a imagem presidencial nas pesquisas de opinião). Tolhe a função fiscalizadora do governo e da administração, por parte do Legislativo, impedindo a criação e o funcionamento das Comissões Parlamentares de Inquérito. Não é capaz de reconhecer o valor da oposição para um projeto de construção de uma autêntica democracia.


Humilha o Poder Judiciário, quer ao protelar o repasse dos recursos para o pagamento de seu pessoal, quer ao não pagar tempestivamente os precatórios, quer ao descumprir com freqüência as decisões judiciais. Tudo isso é decorrente da onipotência do Poder Executivo.


Há de se ressaltar que um poder absoluto, como está sendo o Executivo no Brasil, em todas as esferas de governo, é um obstáculo para que ocorra a transparência na administração pública, ensejando, assim, a impunidade e a corrupção. A teoria de Montesquieu é também uma afirmação do caráter público do poder, entendido como não secreto, fundamento imprescindível para distinguir o Estado absoluto do Estado constitucional.


Em face de tudo o que está acontecendo no Brasil, em termos de uma relação de equilíbrio entre os poderes, pode-se bem imaginar que o imortal Montesquieu esteja se revirando em seu túmulo.


 


31/7 – 9h30


 

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