Artigo: Fichas sujas em eleições

25/07/2008 Antiga, Notícias

 


O artigo “Fichas sujas em eleições”, de autoria do presidente da Comissão de Estágio e Exame de Ordem da OAB-GO, Jônathas Silva, foi publicado na edição desta sexta-feira (25) do jornal O Popular.


 


Ao discutir se os “candidatos fichas sujas” podem ou não ser eleitos, a Justiça Eleitoral dá uma lição aos partidos políticos. Pode ser assim sintetizada: 1) no Brasil não há partidos políticos, mas sim facções partidárias; 2) nessas facções, que são caricaturas de partidos, não há um conselho de ética e disciplina, mas apenas um conselho de interesses pessoais; 3) as coligações dessas facções têm por único objetivo tomar o poder, a fim de satisfazer a seus próprios interesses.


O corpo eleitoral brasileiro, com seu déficit de cidadania, não tem consciência dessa triste realidade trazida à tona das discussões pela Justiça Eleitoral e divulgada pela imprensa. Daí por que, de uma eleição para outra, o índice de qualidade dos políticos e de suas atividades é cada vez mais baixo. O nível a que se chegou é uma afronta à dignidade da política. Isso não se resolve sobrecarregando a Justiça Eleitoral com inúmeros processos de registros de candidatos indeferidos pelo fato de terem fichas sujas. Se existissem partidos políticos autênticos, como pretendeu o constituinte de 88 ao tratar da questão no texto constitucional, os fichas sujas não teriam os nomes aprovados pelo conselho de ética e disciplina das suas agremiações partidárias.


Para tais caricaturas partidárias, não vale o estatuído na lei complementar, que estabeleceu os casos de inelegibilidades, com vistas a proteger a probidade administrativa, a moralidade para o exercício do mandato. Para tanto, prevê-se que seja considerada a vida pregressa do candidato, bem como a legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração pública.


É lamentável que esse pluralismo irresponsável de facções e os seus candidatos fichas sujas considerem o texto constitucional vigente como uma mera “folha de papel”. Não é uma Constituição efetiva. É apenas uma constituição siliconizada, em virtude das inúmeras emendas acolhidas com o objetivo de distorcer o verdadeiro sentido da outrora Constituição Cidadã. Em que pesem as muitas manobras, não conseguiram extirpar do texto constitucional o valor da dignidade humana, a proteção da probidade administrativa e da moralidade para o exercício do mandato.


Com efeito, a lição da Justiça Eleitoral é oportuna para uma rememoração filológica e histórica sobre a origem do vocábulo candidato. Essa palavra vem de cândido, que é o mesmo que inocente, puro. Isso porque, em tempos remotos, a pessoa tinha de apresentar aos eleitores tudo o que tinha e, na Roma antiga, isso era simbolicamente enfatizado ao apresentar-se o candidato vestido com uma túnica branca, a fim de deixar transparente que não tinha mácula moral alguma. O candidato, então, mostrava tudo o que tinha, não apenas seus bens, mas inclusive o seu corpo, provando ter condições físicas para exercer o cargo. A transparência não admitia o segredo do “ter”.


Hoje esse ritual não mais persiste, dele restando apenas as formalidades de apresentação de cópia da declaração de renda e da prestação de contas na campanha. Os fichas sujas de hoje já não têm lugar na história do exercício da arte e da ciência da política, a candura se foi há muito tempo. Eles não podem mais dar visibilidade a todos os seus dados, inclusive os das suas respectivas famílias, mulheres ou maridos e filhos, a fim de serem fiscalizados pelos órgãos competentes e pelos cidadãos.


Os cidadãos têm direito a um governo honesto. E este governo, obviamente, não é de anjos ou querubins, mas de homens probos e de condutas ilibadas. Em um governo honesto, não há espaço para os fichas sujas, que defendem um governo invisível que não resiste à transparência.


Se é necessário considerar a vida pregressa do candidato para sua elegibilidade ou inelegibilidade, como dispõe a Constituição e a respectiva lei complementar, não resta dúvida de que os fichas sujas são inelegíveis. É indispensável que o intérprete não se deixe levar pelo formalismo da Escola da Exegese, limitando-se apenas a uma interpretação gramatical da Constituição e da lei complementar. Por isso o princípio constitucional da presunção da inocência não pode prevalecer para a eleição dos candidatos com a vida pregressa maculada pela improbidade administrativa ou outras condutas puníveis.


Bobbio diz que a democracia é o governo do poder público em público, ou seja, exercido de modo manifesto, evidente e visível. Um governo, portanto, sem espaço para os fichas sujas.


 


25/7 – 9h

PHP Code Snippets Powered By : XYZScripts.com
×