A assustadora e preocupante onda de violência e as rebeliões em presídios ocorridas nos últimos dias, que resultaram em mais de uma centena de mortes de pessoas nos Estados de São Paulo, Paraná e no Mato Grosso do Sul, trouxeram à tona um cenário de guerra nas ruas das cidades onde os episódios ocorreram. E, no contexto da discussão que resultou daqueles graves episódios, surgiu de algumas autoridades a irresponsável conduta de atribuir aos advogados parte da responsabilidade pelo contato de líderes de facções criminosas com bandidos do lado de fora dos presídios. De defensor do Estado democrático de direito, os advogados estão se transformando em alvo de investigações, sendo chamados até de mensageiros dos criminosos.
O governador de São Paulo, Cláudio Lembo, chegou a culpar os advogados pela entrada de celulares nos presídios e anunciou que vai propor a quebra de sigilo entre os advogados e prisioneiros dentro dos cárceres. No Senado Federal surge a absurda idéia de reduzir as prerrogativas profissionais dos advogados aprovando, entre outras medidas, que o preso veja seu advogado apenas uma vez por mês.
Está havendo uma inversão de valores. O advogado não pode ser visto como alguém que, preparado para defender as pessoas, para tanto utilizando-se de suas prerrogativas profissionais, sob a égide da lei, se converta em associado dos criminosos que tenha o objetivo de entrar nos presídios e levar informações e aparelhos celulares para os detentos. O advogado defende a pessoa acusada e não o crime que esta tenha cometido. O advogado criminalista, em regra, só exerce suas prerrogativas de defensor. Não é bandido nem cúmplice de criminosos. Estes têm o direito à defesa, garantida pela Constituição Federal, pois, afinal, vivemos num país democrático. E, para que haja defesa plena, é indispensável a atuação firme e ética de um advogado.
Não se pode ferir o Estado democrático de direito para resolver questões emergenciais. Questões que estão sob a responsabilidade do Estado. Se o telefone celular ainda é o recurso utilizado por organizações criminosas para firmar sua estrutura e permitir a coordenação, direção e realização de atividades dentro e fora do sistema prisional, cabe às entidades de segurança a fiscalização e a implantação de medidas para evitar o problema. Não se pode incluir neste pacote o cerceamento às prerrogativas profissionais do advogado, sob pena de se estar patrocinando um perigoso retrocesso ao tempo em que não tínhamos as liberdades democráticas.
A Lei 8.906, de 4 de julho de 1994, o chamado Estatuto da Advocacia e da OAB, garante, como prerrogativa do advogado, que a conversa entre o profissional e o seu cliente seja pessoal e reservada. Isso significa dizer que, sob nenhuma hipótese, esta conversa pode sofrer qualquer tipo de interferência e, muito menos, gravação. Qualquer providência em contrário, por certo, será tida como ilegal, pois atenta contra as liberdades pessoais do próprio cidadão. Um juiz pode autorizar a quebra de sigilo telefônico de um determinado advogado, caso ele seja suspeito de cumplicidade com o crime organizado. Neste caso, será investigado um profissional e não toda a categoria.
O advogado não pode ser punido, criticado ou cerceado em suas prerrogativas por estar defendendo um criminoso, sobretudo se estiver atuando dentro dos preceitos legais e éticos, como de regra ocorre. Se há aqueles que saem desta linha, cabe à OAB, por previsão legal, a fiscalização do exercício profissional. Nos casos em que, comprovadamente, os preceitos éticos são violados os Tribunais de Ética e Disciplina da OAB e os Conselhos Secionais têm sido firmes na aplicação das sanções disciplinares.
A Ordem dos Advogados do Brasil não defende marginais ou pessoas que se conduzem pelo desvio da ética, tanto que temos os Tribunais de Ética e Disciplina para punir profissionais que não se portam dentro dos padrões ético-profissionais. Na OAB-GO, por exemplo, não há um só caso registrado de denúncia de advogado que tenha sido flagrado entregando aparelho de telefone celular nos ambientes prisionais.
Na verdade, o que precisa mesmo ser discutido nesse momento, já com grande atraso, é a urgente necessidade de implantação e efetivação de políticas de segurança pública e de melhoria no sistema prisional. As autoridades que estão transferindo a culpa para os advogados deveriam demonstrar preocupação com falta de investimentos no setor.
Mas, enfim, em nenhuma hipótese vamos aceitar qualquer proposta que implique cerceamento do exercício profissional da advocacia, que serve de garantia para o cidadão.