Artigo: A OAB, a advocacia e o crime organizado

05/12/2006 Antiga, Notícias

 


     Artigo publicado no O Popular desta terça, 5


     A intenção da OAB Nacional de julgar advogados envolvidos com crime organizado se mostra ilegal, injusta e inconstitucional. O Projeto de Lei 266/06, aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado e que segue agora para análise do plenário, transfere para o Conselho Federal da OAB (atualmente, esse julgamento é feito pelos Conselhos Seccionais, com eventual recurso ao Conselho Federal) o poder de suspender preventivamente, processar e julgar administrativamente os advogados acusados de faltas de repercussão nacional, que manchem a imagem da advocacia, ou de delitos interestaduais.


     Pedro Paulo Guerra de Medeiros


     Nas justificativas dos autores do projeto, os argumentos são de que, devido à grande quantidade de processos disciplinares e aos trâmites burocráticos, a agilidade acaba não sendo o ponto forte das seccionais. “Nas seccionais com elevado número de inscritos, dificilmente um processo disciplinar será julgado em menos de três anos”, afirmam. Segundo o texto, para o Conselho Federal, o projeto é uma resposta “às exigências da cidadania, à confiança histórica depositada na OAB e ao prestígio da instituição”. O anteprojeto foi elaborado pela OAB numa clara tentativa de limpar a imagem da advocacia, tão manchada depois que advogados foram acusados de colaborar com o crime organizado. Para o presidente da OAB nacional, Roberto Busato, a alteração, que deve ser feita no Estatuto da Advocacia, é fundamental para punir “aqueles delinqüentes que se travestem de advogados”.


    Não há como retirar a razão do presidente da OAB Nacional, entretanto, essa se resume à necessidade de reprimir delinqüentes, mas não se pode sair fazendo gentilezas com o chapéu alheio. Não podemos sacrificar nossos direitos apenas visando dar vazão à vontade de satisfazer a mídia e a comunidade. Os desvios de conduta têm sido reprimidos com o rigor e a celeridade possíveis, sem, contudo, sacrificar o devido processo legal e o respeito à presunção da inocência, e assim deve se manter. É falsa a alegação de que chega à sociedade imagem de que a OAB atua com leniência ante a patologia profissional, o que acarretaria comprometimento do prestígio da advocacia e o desgaste da instituição, tão presente na história do País, por sua atuação intransigente contra a ofensa ao Estado de Direito.


    Quanto ao projeto no Senado, o que mais impressiona é não valer para o processo de suspensão preventiva conduzido pelo Conselho Federal a regra do § 7º, que determina que o processo de suspensão preventiva deve ser encerrado em 90 dias. É a (inconstitucional) suspensão preventiva por tempo indeterminado, prevista no seio da própria guardiã da Carta Magna. Alguém se lembra de Guantánamo?


    Não pode a OAB se permitir participar dessa onda de legislação do pânico, sem eficácia, com efeitos meramente midiáticos. Por que não um projeto que dê ao juiz natural do processo criminal o mesmo poder que tem quando se trata de funcionário público? Poderia o juiz decretar a perda da inscrição do advogado, com economia processual e principalmente a lisura e isenção do julgador.


    Estar-se-ia criando um Tribunal de Exceção dentro da OAB: ao invés de o advogado ser submetido ao Juízo Natural, será o Conselho Federal da OAB que escolherá o que quer julgar e o que não quer. Onde já se viu o juízo ser formado não pelas regras do Juízo Natural, mas pelo clamor público (que, aliás, nunca se sabe ao certo o que é, objetivamente)? Quem pagará os custos da defesa do acusado, que terá de se deslocar a Brasília, sede do Conselho Federal da OAB? E o direito de recorrer do acusado? Se o advogado é processado na Seccional (onde haveria duas instâncias, e, como sugestão, que os processos disciplinares sejam sempre relatados por sorteio público, distribuição aleatória), pode recorrer ao Conselho Federal , e isso será suprimido, ferindo a igualdade perante a lei e o direito ao recurso administrativo. A justificativa da lei também é imprópria: porque o processo demora, ao invés de aperfeiçoar, vamos passar ao órgão superior.


    Pedro Paulo Guerra de Medeiros é advogado, professor universitário, doutorando em Ciências Jurídicas e Sociais, vice-presidente da Comissão de Estágio e Exame de Ordem da OAB-GO, vice-presidente da Associação dos Advogados Criminalistas de Goiás e membro do IBCCrim –  [email protected]


05/12 – 16h18

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