Artigo: A novela da crise do setor rural

23/07/2007 Antiga, Notícias

 


O artigo “A novela da crise do setor rural”, de autoria do advogado e conselheiro da OAB-GO, Ezequiel Morais, e do advogado Clarito Pereira, foi publicado na edição de sábado (21) do Jornal O Popular.


Setor rural em crise! Há quantas décadas não ouvimos a mesma frase? Há quanto tempo não fazemos leis para propiciar a estruturação e o fortalecimento da produção agropecuária nacional? Criamos em 1964 o Sistema Nacional de Crédito Rural. Em 1966, instituímos regras para a fixação de preços mínimos e para aquisição de produtos agropecuários. Um ano depois, normatizamos os títulos de crédito rural e as garantias inerentes a esta modalidade de financiamento. Já em 1991, entrou em vigor a Lei Agrícola, que estabeleceu as diretrizes da Política Agrícola e, logo após, em 1995, com a nova crise do setor, vieram a Lei de Securitização e o Programa Especial de Saneamento de Ativos (Pesa), que permitiam o alongamento das dívidas. Como visto, não faltam leis. Faltam, sim, boa vontade e coragem.


A linha especial de crédito rural foi instituída para incentivar o investimento privado no custeio e na comercialização das safras, além de fomentar as atividades ligadas aos setores de armazenamento, beneficiamento e industrialização. Em suma, visa o fortalecimento do agropecuarista, a introdução de técnicas para aumento da produtividade e a proteção do meio ambiente. As leis que regem o crédito rural são preceitos de ordem pública, ou seja, são normas cogentes, obrigatórias. Porém, as instituições financeiras – com o apoio do governo federal – desconsideram tais leis. Todos nós sabemos que a finalidade do crédito rural não é o ganho do emprestador do dinheiro, mas, sim, o fortalecimento direto do tomador do empréstimo e, indireto, de toda a sociedade.


Entretanto, apesar do farto aparato legislativo, a concessão dos recursos do crédito rural foi desvirtuada ao sabor e em benefício exclusivo das instituições bancárias, que começaram a inserir nos contratos várias ilegalidades, tais como: descompasso entre a correção monetária dos empréstimos e dos preços mínimos de comercialização dos produtos; renegociações em taxas de juros abusivos e unilateralmente impostos (superiores a 4% ao mês); exigência de novas e excessivas garantias; obrigatoriedade da contratação de seguros (Proagro) de até 13% do valor financiado; desvio de recursos para liquidação de dívidas anteriores (operações “mata-mata”); cobrança de juros sobre juros, etc. O produtor rural, além de ser obrigado a se sujeitar à vontade dos bancos, enfrenta as crises do mercado globalizado e, para piorar, as intempéries da natureza (ferrugem asiática, chuvas em excesso, estiagem).


Retornando ao assunto ‘crise do setor rural’, esta começou a se agravar de fato a partir da década de 80, quando percebemos que o endividamento do setor agropecuário era generalizado e praticamente irreversível. A situação refletia tamanha calamidade que motivou, em 1993, a criação de uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito no Congresso Nacional – conhecida (e já esquecida!) como CPMI do Endividamento Agrícola. A comissão ouviu autoridades, lideranças do setor e produtores por todo o País. Na ocasião, o então ministro da Agricultura confessou que inúmeras ilegalidades estavam sendo cobradas nas cédulas de crédito rural. Por sua vez, o presidente do Banco do Brasil afirmou, ipsis literis, que “nem plantando maconha irrigada seria possível pagar os empréstimos, com os custos financeiros praticados pelos bancos”. É, sem dúvida, uma frase politicamente incorreta, mas verdadeira e muito atual.


Enfim, percebe-se, hoje, que a Lei de Securitização e o Pesa foram meros paliativos. As dívidas do crédito rural não diminuíram; pelo contrário, aumentaram. Aumentaram muito! Por outro lado, não se pode negar que a produção também teve o seu crescimento, e o governo federal, aproveitando tal fato, divulga, todos os anos, que as safras são recordes; porém, se ‘esquece’ de dizer a qual custo. Como podemos constatar, eis, à nossa frente, ‘tão clara como as noites de lua cheia à beira do Rio Araguaia’, a novela da crise do setor rural. Vale a pena ver de novo? Não, não vale, mas seremos obrigados a ver a história se repetir.


23/7 – 17h08


 


 

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