Artigo: A crise do ensino jurídico

06/02/2007 Antiga, Notícias


 


O artigo “A crise do ensino jurídico” é de autoria de Jônathas Silva e foi publicado na edição de hoje, 6, do jornal O Popular:


 


No início de dezembro do ano passado, reuniram-se em Goiânia os membros da Comissão de Ensino Jurídico da OAB, com vistas a fazer uma análise do ensino de direito no Brasil. Ao analisarem a questão, tomando-a em uma perspectiva dialética e com uma visão totalizante, concluíram que a crise do ensino jurídico não se resolve setorialmente, já que não é possível isolar o ensino jurídico de uma crise mais ampla, que atinge toda a Universidade e a própria sociedade brasileira. Com efeito, essa tese foi defendida na década de 60 por San Tiago Dantas, quando relacionou a crise do ensino jurídico não só com a da cultura como também com a crise da classe dirigente brasileira.


E o que fazer, se a Universidade nunca foi no passado e nem é hoje prioridade da política educacional do governo? Não o foi nos tempos da ditadura militar, tampouco com a redemocratização do País. A grande maioria dos políticos ignora a importância da Universidade para o futuro da ciência e para o desenvolvimento tecnológico. Basta examinar a destinação das emendas dos deputados e senadores goianos no Orçamento da União: apenas excepcionalmente uma ou outra é destinada à Universidade.


É preciso que se reconheça e proclame que a Universidade brasileira ainda está desempenhando com competência as suas funções institucionais de ensino, pesquisa e extensão, graças ao idealismo abnegado e ao devotamento apostolar da grande maioria dos seus professores e alunos, e não pelas ações efetivas de uma política governamental, voltada prioritariamente para educação, para a ciência e para a tecnologia.


Portanto, nesse contexto amplo e maior é que se pode situar a crise do ensino jurídico. Daí por que a Comissão da OAB afasta o entendimento de que a crise é tão-só o “declínio” ou a “morte” do direito, como chegaram a sustentar eminentes juristas europeus, tais como Capograssi, Ravá, Ripert e Carnelutti. O ceticismo desses juristas enseja um descrédito do direito nas suas dimensões de norma, fato e valor e de normatização social em uma sociedade civilizada.


Todavia, não se pode ignorar que a hegemonia do direito ou do fetichismo jurídico está sendo progressivamente superada. É forçoso reconhecer, como o fez o filósofo Norberto Bobbio, que a crise do direito está caracterizada pelas limitações de suas funções específicas como uma técnica de controle social. Reconhece o renomado pensador e jurista italiano que, em uma sociedade tecnologicamente avançada, há uma redução do controle jurídico, valorizando-se mais a prevenção do que a repressão. Inobstante essas limitações, o direito ainda está bem presente na vida social e política.


É oportuna, ainda, a ponderação do professor José Geraldo de Sousa Júnior, ao tratar deste assunto: uma perspectiva acerca da função do direito e do papel do jurista na sociedade não pode estruturar-se senão sobre a consciência da necessidade de prefiguração do futuro do ensino jurídico em nosso País. Uma consciência que se abra, em suma, para a análise crítica dos problemas conceituais que a advocacia apresenta, dos epistêmicos que geram desvios na compreensão de seu exercício, da visão antropológica arcaica que alicerça os conflitos, dos problemas da educação dos nossos juristas, da crescente perda de significação social e econômica da atividade advocatícia, dos problemas estruturais e de organização do trabalho que emperram a ação profissional numa sociedade tensa e fragmentária, da perda de legitimação do advogado.


Em Goiás, como reconheceu a própria Comissão Estadual de Ensino Jurídico, houve uma proliferação de escolas de direito, quer na capital, quer no interior do Estado. A fim de evitar essa proliferação desmedida, além da legitimidade da avaliação externa dessas escolas feita pela Ordem, é fundamental que a Secretaria de Ensino Superior do MEC reconheça como vinculativo o parecer da Comissão de Ensino da OAB, sob pena de que nós, goianos, parodiando Silvio Romero, também afirmemos: Deus castigou o Egito com uma praga de gafanhotos e o Estado de Goiás com uma de bacharéis.


Jônathas Silva é advogado e professor da Faculdade de Direito da UFG.


06/02 – 11h45



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