Artigo: “Até quando puniremos o mensageiro pela mensagem?”

21/02/2007 Antiga, Notícias

 


Este artigo, de autoria do conselheiro da OAB-GO Pedro Paulo Guerra de Medeiros, foi publicado em O Popular, na edição de 18 de fevereiro


O cerne inerente à redução da maioridade penal se mostra falacioso e demagógico, eis que o menor de 18 anos de idade efetivamente responde pelos crimes ou contravenções penais que pratica, podendo ser internado, processado, sancionado e, se for o caso, cumprir a medida em estabelecimentos educacionais, que são verdadeiros presídios. O Estatuto da Criança e do Adolescente, ao adotar a teoria da proteção integral, que vê a criança e o adolescente – que são autores de apenas 10% dos crimes praticados – como pessoas em condição peculiar de desenvolvimento que necessitam de proteção diferenciada, especializada e integral, não teve por objetivo manter a impunidade de jovens autores de infrações penais, tanto que criou diversas medidas sócio-educativas – na realidade, verdadeiras penas.


A respeito de fato veiculado na imprensa – uma criança teve sua vida tirada em razão de bárbaros atos cometidos por, ao que parece, dois adultos e um menor de idade –, não se pode combater o crime condenando a maioridade penal. Precisamos é de um Estado mais presente. A sociedade sente-se desafiada a dar uma resposta diante de um crime tão bárbaro, mas não se pode partir de uma situação específica para tentar solucionar um problema geral de criminalidade. Nosso modelo de sociedade empurra o cidadão, em especial o menor, para a marginalidade. A redução da maioridade não vai resolver o problema da delinqüência infanto-juvenil. A solução virá com aperfeiçoamento dos procedimentos judiciais, com a justiça penal mais ágil, com a aplicação de penalidades adequadas, inclusive para os menores infratores. Precisamos ainda buscar as causas do envolvimento em atos criminosos da juventude.


Vivemos há anos com um mercado de trabalho desequilibrado, com os jovens sem oportunidade para ter uma formação melhor. Não podemos discutir essas mudanças sob clima de tensão, de emoção. A questão da criminalidade é vai além do estabelecimento de penas maiores, além do endurecimento do regime de cumprimento de pena. Qualquer modificação na legislação penal deve ser precedida de ampla discussão e cautela.


É bem verdade que se esperarmos momento de tranqüilidade para somente então analisarmos mudanças legislativas, essas nunca virão, pois as situações de comoção social estão se tornando freqüentes. Mas devemos estar cientes de que os rumos a serem traçados devem ter como parâmetro o todo, e não singularidades, evitando a institucionalização da vingança. E a vingança é tão nociva à tranqüilidade social quanto o crime, principalmente quando ganha ares de legitimidade, trazida ao mundo por ato do Poder Legislativo. Hoje, tramitam projetos que buscam reduzir a maioridade penal para 16, 14 e até 12 anos. O legislador mostra sua pretensão de restar imune aos mandamentos da Constituição, aos princípios gerais do Direito e às medidas sociais mais aconselháveis.


A Constituição de 1988 traz as hipóteses de proibições de emenda constitucional, como a de abolição de direitos e garantias individuais. Não é preciso um exercício de raciocínio muito grande para perceber que, já no plano constitucional, qualquer tentativa de redução da maioridade penal não encontra respaldo. O direito de ser submetido a um conjunto de leis acertadamente diferenciado, enquanto se é adolescente, é garantia individual das mais significativas, prevista no artigo 228 da Carta Magna. Esse caráter da inimputabilidade penal ao adolescente é reforçado ainda pelo Pacto de San Jose da Costa Rica. A legislação que fixa a idade penal não leva em consideração apenas a capacidade de discernimento, mas também, fundamentalmente, a inadequação do sistema prisional para recuperar um jovem que ainda está em processo de desenvolvimento de sua personalidade. É, entretanto, um limite razoável de tolerância o recomendado pelo Seminário Europeu de Assistência Social das Nações Unidas de 1949, tanto que se pode afirmar ser o limite de 18 anos praticamente regra internacional.


A questão, portanto, não é reduzir a maioridade penal, que na prática já foi reduzida, mas discutir o processo de execução das medidas aplicadas aos menores, que é completamente falho; corrigi-lo, pô-lo em funcionamento e, além disso, aperfeiçoá-lo, buscando assim a recuperação de jovens que se envolvem em crimes, evitando assim – como ocorre no atual processo de execução semelhante ao adotado para o maior, e que é reconhecidamente falido – corrompê-los ainda mais.


O Estado, poder público, família e sociedade, que têm por obrigação garantir os direitos fundamentais da criança e do adolescente, não podem, para cobrir suas falhas e faltas gritantes e vergonhosas, exigir que a maioridade penal seja reduzida. Ora, quem está em situação irregular não é a criança ou o adolescente, mas o Estado, que não cumpre suas políticas sociais básicas; a família, que não tem estrutura e abandona a criança; os pais que descumprem os deveres do pátrio poder; a sociedade, que não exige do poder público a execução de políticas públicas sociais dirigidas à criança e ao adolescente.


O desvio da opinião pública das causas reais da violência – o desemprego, má distribuição de renda, a corrupção e a impunidade, a desigualdade social, o fracasso dos mecanismos de controle social, e a desresponsabilização do Estado no atendimento e suporte à criança e ao adolescente – não podem transformar o infanto-juvenil no responsável pelo clima de violência e insegurança social no país.


Pedro Paulo Guerra de Medeiros é advogado, professor universitário, doutorando em Ciências Jurídicas e Sociais, membro do IBCCrim, vice-presidente da Comissão de Estágio e Exame de Ordem da OAB-GO e vice-presidente da Associação dos Advogados Criminalistas de Goiás.


21/02-20h16


 

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