Artigo: A crise no setor rural, apesar das leis

05/09/2007 Antiga, Notícias

O artigo “A crise no setor rural, apesar das leis”, de autoria do conselheiro seccional da OAB-GO Ezequiel Morais, foi publicado na edição de terça-feira (4) no jornal Gazeta Mercantil


O produtor agora enfrenta novos abusos, sobretudo quanto ao aspecto fiscal. Setor rural em crise. Há quantas décadas não ouvimos a mesma frase? Há quanto tempo não fazemos leis para propiciar a estruturação e o fortalecimento da produção agrícola nacional? Criamos em 1964 o Sistema Nacional de Crédito Rural. Em 1966 instituímos regras para a fixação de preços mínimos e para aquisição de produtos agropecuários.


Um ano depois, normatizamos os títulos de crédito rural e as garantias inerentes a essa modalidade de financiamento. Já em 1991 entrou em vigor a Lei Agrícola, que estabeleceu as diretrizes da Política Agrícola e, logo após, em 1995, com a nova crise do setor, vieram a Lei de Securitização e o Programa Especial de Saneamento de Ativos (Pesa), que permitiam o alongamento das dívidas. Como visto, não faltam leis. Falta, sim, boa vontade e coragem.


A linha especial de crédito rural foi instituída para incentivar o investimento privado no custeio e na comercializaçã o das safras, além de fomentar as atividades ligadas aos setores de armazenamento, beneficiamento e industrializaçã o de produtos.


Em suma, visa ao fortalecimento do agricultor, à introdução de técnicas destinadas ao aumento da produtividade e à proteção do meio ambiente (desenvolvimento sustentável). As leis que regem o crédito rural são preceitos de ordem pública, ou seja, são normas cogentes, obrigatórias. Porém, se já não bastasse a falta de profissionalismo na gestão do agronegócio, tais leis são ignoradas. Todos nós sabemos que a finalidade do crédito rural é o fortalecimento direto do tomador do empréstimo e indireto de toda a sociedade.


Isso é a função social do crédito – que a partir do Código Civil de 2002 foi fortalecida pelo princípio da função social do contrato. E, apesar do farto aparato legislativo, a concessão dos recursos do crédito rural foi desvirtuada na sua origem. Além disso, o ruralista enfrenta as crises do mercado globalizado e, para piorar, as intempéries da natureza (ferrugem asiática, gripe aviária, chuvas em excesso, estiagem).


A crise do setor rural começou a se agravar de fato a partir da década de 80, época em que percebemos que o endividamento do setor agrícola era generalizado e praticamente irreversível. A situação refletia tamanha calamidade que motivou, em 1993, a criação de uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito no Congresso Nacional – conhecida (e já esquecida) como CPMI do Endividamento Agrícola. A comissão ouviu autoridades, lideranças do setor e produtores por todo o País. Na ocasião, o então ministro da Agricultura confessou que inúmeras ilegalidades estavam sendo cobradas nas cédulas de crédito rural. Por sua vez, o presidente do Banco do Brasil afirmou, ipsis literis, que “nem plantando maconha irrigada seria possível pagar os empréstimos, com os custos financeiros praticados pelos bancos”. É, sem dúvida, uma frase politicamente incorreta, mas verdadeira e bastante atual.


Enfim, percebe-se, hoje, que a Lei de Securitização e o Pesa foram meros paliativos. As dívidas do crédito rural não diminuíram; ao contrário, aumentaram – e aumentaram muito. Por outro lado, não se pode negar que a produção também teve o seu crescimento – e o governo federal, aproveitando tal fato, divulga, todos os anos, que as safras são recordes; porém, “esquece” de dizer a qual custo. Quanto ao custo, esse é altíssimo para o produtor rural, que agora enfrenta novos abusos, em especial novas cobranças fiscais – isso mesmo: a maioria das dívidas (civis) oriundas do crédito rural se transformou em dívidas fiscais. Como pode-mos constatar, eis, à nossa frente, a novela da eterna crise do setor rural. Vale a pena ver de novo? Não, não vale, mas seremos obrigados a ver a história se repetir.


 


5/9 – 14h20

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