O artigo Interesse público tem que ser prioridade é de autoria do presidente da OAB-GO, Miguel Ângelo Cançado, e foi publicado na edição desta quarta-feira (17) do jornal Diário da Manhã.
A confirmação de que o presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Gilmar Mendes, foi grampeado ilegalmente é, ao mesmo tempo, assustadora para os princípios democráticos e reveladora de uma lamentável realidade já vivida em outros episódios de escândalo: ao governo interessa reagir energicamente quando há interesse político para tanto. A utilização ilegal de grampos telefônicos e mesmo a suspeita de que integrantes dos Poderes Judiciário, Executivo e Legislativo são freqüentemente vigiados têm sido, há algum tempo, disseminada pela imprensa. E nenhuma atitude havia sido tomada.
No entanto, a iminência de uma grave crise institucional, com a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) revivendo a época dos porões autoritários, assustou o governo, cuja reação traduziu o que espera a sociedade. O presidente Lula afastou os dirigentes da Abin, pediu a instauração de sindicância e determinou que o ministro da Justiça encaminhe projeto de lei estabelecendo punição severa às pessoas que desrespeitarem a lei de interceptações telefônicas. Assim feito, espera-se, mais do que a tomada de decisões, que elas sejam, efetivamente, concretizadas e concluídas.
Caso a cultura enraizada da impunidade prevaleça, estão em risco a democracia, a cidadania e a própria Constituição Federal. É perigoso não reagir contra a vigilância ilegal do Supremo em tempos em que a corte julga questões de extrema relevância para a sociedade, contrariando interesses e assumindo, muitas vezes, a função do próprio Legislativo, abarrotado com medidas provisórias e sob a forte influência do Executivo. Além disso, a confirmação de espionagem no Supremo e as suspeitas do mesmo artifício no Congresso Nacional colocam em xeque a independência entre os Poderes da República.
Nos últimos anos, contrariando a lógica histórica de consolidação da democracia, a sociedade assiste ao desrespeito das normas constitucionais, o que tem preocupado muito a Ordem dos Advogados do Brasil. A ausência de compromisso de grande parte das autoridades com a manutenção do Estado democrático de direito revela a intenção de se instalar um Estado vigilante, que policia, preventivamente, o cidadão. A prática da espionagem aleatória, desprovida de indícios comprovadamente suspeitos é vexatória e inadmissível. Mais do que isso, viola a Constituição Federal.
Constantemente, vimos à imprensa divulgar ações policiais marcadas pelo sensacionalismo e a falsa idéia de punição. Nesse sentido, a banalização do uso de grampos nas investigações tem se mostrado ineficaz durante o desenrolar do inquérito, pois muitas das operações policiais estão baseadas apenas em conversas telefônicas, sem provas de prática de crime. É preciso deixar claro, as interceptações telefônicas são muito úteis à investigação quando são realizadas dentro da legalidade. Mas o que se vê atualmente é a condenação antecipada dos acusados por meio de exposição na mídia, ferindo os princípios constitucionais de direito ao contraditório, à ampla defesa e ao devido processo legal.
A OAB espera que a decisão do Conselho Nacional de Justiça, no último dia 9 de setembro, de criar métodos mais rígidos de controle das autorizações judiciais para grampos telefônicos seja apenas uma das medidas que objetivam frear essa onda repugnante de constante bisbilhiotagem. Nesse sentido, também é fundamental que a CPI dos Grampos Telefônicos tenha andamento diverso do que a maioria das comissões de inquérito, ou seja, que apresente resultados concretos de investigação sem ceder totalmente ao jogo de interesses partidários.
Pois, não é essa a democracia pela qual tanto lutamos. Não é essa a finalidade da tão almejada Constituição Cidadã. A sensação de insegurança e a constante invasão de privacidade que ora se instalam no País alimentam, ainda mais, o cenário conturbado das intrigas políticas, do qual o cidadão está à margem. As conversas entre autoridades só interessam à sociedade se forem gravadas respeitando-se os parâmetros legais e se for ela a beneficiada ou prejudicada, e se for este o caso, o que o cidadão quer mesmo é a punição dos responsáveis, mesmo que seja com discrição e sem alarde.
17/9 8h20