O artigo Inviolabilidade resguarda direito de defesa, de autoria do presidente da OAB-GO, Miguel Ângelo Cançado, foi publicado na edição desta quarta-feira (30) do jornal Diário da Manhã. A aprovação pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal do Projeto de Lei nº 36/2006, que torna invioláveis os escritórios de advocacia, tem sido alvo de manifestações equivocadas que reduzem a mais importante conquista da sociedade dos últimos tempos a mero privilégio da categoria. E, definitivamente, não se trata de uma vitória de uma classe. Muito ao contrário, o referido texto legal, se sancionado pelo presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva, beneficiará o cidadão, a quem nossos direitos e prerrogativas protegem, pois, em regra, é em nome deles que exercemos o sagrado e amplo direito de defesa, é exatamente isso que devemos todos ter em mente. As críticas ao Projeto de Lei e a pressão pelo veto da Presidência ignoram mais um feito histórico da consolidação da democracia brasileira, que se vê abalada, constantemente, com inúmeras ações que revelam um temido Estado policial. A aprovação do projeto pelo Congresso Nacional é uma resposta da cidadania e da democracia às operações policiais espetaculosas e ao excesso de escutas telefônicas, que desrespeitam o sigilo das informações trocadas entre advogados e clientes. Tal qual o respeito às prerrogativas profissionais da advocacia, a inviolabilidade dos escritórios é mais uma forma de concretizar o ideal da Constituição Federal de 1988, qual seja, o de garantir o direito à ampla defesa. Por isso, são infundadas as manifestações que tentam apregoar a inconstitucionalidade do referido projeto. A Carta Magna já determina, em seu artigo 133, que o advogado é indispensável à administração da Justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei. A advocacia séria não quer privilégios porque, ao contrário de alguns, não luta apenas por interesses próprios. A categoria quer a sanção do projeto que torna inviolável os escritórios de advocacia não como mera reivindicação corporativa, mas porque assim, o advogado não pode ser considerado infrator ao defender um direito elementar básico previsto na Constituição. O Congresso Nacional, ciente dessa responsabilidade e do histórico compromisso da advocacia com o Estado democrático de direito, aprovou por unanimidade, o projeto de lei que altera o artigo 7º do Estatuto da Advocacia, incluindo entre os direitos da categoria a proteção do seu local de trabalho, assim como de todos os instrumentos necessários para o exercício da profissão, como correspondências escritas ou eletrônicas, computadores, arquivos impressos ou digitais, bancos de dados, livros, anotações e documentos recebidos de clientes ou de terceiros. Evidentemente, a OAB não defenderia o projeto se houvesse a possibilidade de se proteger o profissional delituoso, que deve, sim, ser investigado. A proteção do local de trabalho não é irrestrita. O projeto de lei traz a ressalva de que será permitida a quebra da inviolabilidade caso haja indício de envolvimento do advogado com o crime, e a própria OAB defende que assim o seja. Em decisão motivada pela autoridade judiciária competente, será expedido um mandado de busca e apreensão a ser cumprido na presença de um representante da OAB. Apesar de alguns setores não compreenderem a devida relevância do projeto para a sociedade, é preciso destacar importantes decisões anteriores que demonstram que a invasão do local ou dos meios de trabalho do advogado é repudiada por todos aqueles que prezam a garantia de defesa do cidadão. No habeas corpus 89.025-3, examinado em 2006 pelo Supremo Tribunal Federal, em que se discutiu a legalidade da utilização, como provas, de e-mails trocados entre os advogados de defesa do banqueiro Edemar Cid Ferreira, o ministro Eros Grau afirmou em seu voto: “Quanto à violação do computador do advogado para a averiguação do conteúdo de mensagens eletrônicas, é de enorme gravidade”. “A violação do computador utilizado pelo advogado, violação das mensagens trocadas entre ele e o paciente, é ilícita. A prisão preventiva não pode ser decretada com esteio em prova cuja licitude é questionada. Essa escalada de invasão de privacidade poderá nos levar, todos nós, a um triste destino. Triste e doloroso destino. Os próximos seremos nós”, completou. A crítica do min. Eros Grau foi depois referendada pelo ministro Gilmar Mendes, atual presidente do STF, no mesmo julgamento de 2006. “Tudo que se fala sobre estratégia de defesa restaria abalado a partir desse tipo de análise”, afirmou. Para se manter intacto o direito de defesa, uma garantia constitucional duramente conquistada, é imprescindível garantir o sigilo da documentação e das informações passadas ao advogado pelo cidadão. E nesse ano, em que a Constituição Federal de 1988 completa 20 anos, é preciso que toda a sociedade se mobilize para não deixar escapar mais esse importante instrumento que visa à efetiva promoção da justiça.
30/7 8h30