Leia o artigo do conselheiro seccional, diretor-adjunto da Escola Superior de Advocacia (ESA) da OAB-GO e corregedor-adjunto da OAB-GO, Pedro Paulo Guerra de Medeiros, publicado na edição de sábado (29) do jornal "O Popular".
Poucos assuntos demandam tanta atenção da mídia (e dos espectadores, obviamente) quanto casos criminais, em especial quando envolvem pessoas que ocupam posição de destaque na sociedade. O julgamento que todos acompanham há tempos, no Supremo Tribunal Federal, a Ação Penal 470, inclina-se a condenar vários acusados, o que tem causado comoção nacional, ensejando até mesmo apostas quanto a quem será preso, quando e por quanto tempo.
Devo, contudo, procurar eliminar um pouco de suas expectativas, indicando uma vez mais que há concretas chances de esse julgamento ser anulado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos.
Já escrevi, ao tempo da investigação, sobre as impropriedades formais da denúncia, que não descrevia quem teria feito o que, quando e como, requisitos formais exigidos em qualquer petição inicial que pretenda iniciar uma ação. Se hoje, durante o julgamento, nos parece simples entender o enredo, antes, apesar de imprescindível que fosse, não era. Esse ponto, contudo, já foi tratado. Falo aqui de coisas mais profundas e inéditas.
E não falo só. Jurista e professor, Luiz Flávio Gomes, por amostragem, compartilha desse mesmo entendimento. As chances de anulação desse histórico julgamento, a despeito de sua alta relevância social, pedagógica e jurídica, baseiam-se no fato de que não se está permitindo aos acusados que possam recorrer a uma instância superior, caso sejam condenados. O fato de já estarem sendo julgados pelos juízes reputados mais sábios da sociedade não lhes retira o direito consagrado pela Convenção Americana de Direitos Humanos de receber um julgamento em outra Instância superior. No caso, como no País não há outro tribunal acima do Supremo Tribunal Federal, essa segunda instância deve ser a Corte Interamericana de Direitos Humanos, pois o Brasil se submete a sua Jurisdição desde 1998.
Adicione-se a isso circunstância de que vários acusados não possuem qualquer função pública a lhes exigir julgamento perante o Supremo Tribunal Federal, senão porque poucos acusados a possuem (a prerrogativa). Assim, esses acusados sem prerrogativa de função estariam perdendo chances de manejo de recursos caso estivessem sendo julgados perante juízes em primeira instância (varas criminais, estaduais ou federais), motivo da arguição lançada logo ao início do julgamento, em questão de ordem suscitada da tribuna por uma das defesas, representada pelo advogado Márcio Thomaz Bastos, que dispensa apresentações.
Essas chances de anulação são exponencialmente incrementadas quando se observa que o mesmo juiz (um ministro) que colheu as provas durante a investigação está sendo o juiz que está julgando (com) os elementos que ele mesmo colheu, fundindo em uma mesma pessoa investigador e julgador, algo próximo ao que se viu na inquisição. No caso concreto aqui presente, justiça se faça com os fatos, diferencia-se minimamente do passado porque há um órgão auxiliar da investigação e que faz a provocação formal da acusação, que é a Procuradoria-Geral da República.
Situações semelhantes já foram submetidas à Corte Interamericana, que decidiu no sentido de acolher os argumentos da defesa, anulando os julgamentos ocorridos nos países então levados àquela Corte.
Aguardemos o que será decidido em nosso caso brasileiro, não olvidando que uma possível decisão condenatória poderá ser submetida à Corte, inclusive com chances de anulação e de concessão liminar de medida cautelar para não se permitir sequer imposição do cumprimento de pena aos eventuais condenados, enquanto a questão não for decidida de forma definitiva pela Corte Interamericana de Direitos Humanos.
Vez mais conclamo a sociedade para que reflita: se a mais alta corte da República, diante de acusados bem posicionados social e politicamente, defendidos por alguns dos mais preparados advogados do País, assim procede, imaginem o que as pessoas e advogados comuns, nas comarcas do interior do Brasil, vivenciarão na perspectiva das violações a seus direitos, agora legitimados pela influência paradigmática de seus chefes máximos. Ditado de nossos ascendentes: “Pau que bate em Chico também bate em Francisco”.