Confira o artigo “Impunidade é não julgar”, do presidente da OAB-GO, Henrique Tibúrcio, publicado na edição do jornal O Popular desta segunda-feira (10).
Um escândalo político que levantou suspeitas de promiscuidade entre o Executivo e o Legislativo balançou o país em meados de 2005. De lá pra cá, sete anos foram consumidos até que o suposto esquema que ficou conhecido como mensalão chegasse a um desfecho no Judiciário, o que revela a complexidade e a magnitude do caso que o Brasil todo acompanha. Parece demorado, mas em se tratando de um julgamento tão emblemático, nada pode ser feito açodadamente.
Desde o dia 2 de agosto, o STF (Supremo Tribunal Federal) julga o processo que tem 37 réus denunciados sob acusação de cometerem sete diferentes crimes: corrupção ativa, corrupção passiva, formação de quadrilha, peculato, evasão de divisas, gestão fraudulenta e lavagem de dinheiro. Entre os alvos da ação há dois ex-ministros, parlamentares, banqueiros e empresários, entre outros.
O caso envolto em denúncias de desvio de dinheiro público e compra de apoio político pode ser interpretado como um golpe no equilíbrio republicano do país. Seu julgamento, porém, já se confirma como um marco histórico de fortalecimento institucional do Brasil.
Um Estado só é reconhecido por seus cidadãos como sério, seguro e próspero quando oferece instituições respeitáveis e regras claras. E isso só fica demonstrado em episódios concretos, que apontam os fundamentos legais e morais de uma nação.
Nesse sentido, o julgamento representa um desafio para o STF, que precisa evocar os princípios da autonomia e do equilíbrio em meio a pressões exercidas tanto pelas partes diretamente envolvidas no processo e por entidades da sociedade civil, que servem de correia de transmissão da opinião pública.
Por mais paradoxal que possa parecer, o que menos importa nesse julgamento é o seu resultado. Condenar no todo ou em parte, absolver, fixar as penas, não deve acontecer senão pela juridicidade e respaldo na ciência jurídica. Opiniões da sociedade, análises da imprensa, debates políticos, nada pode ser mais relevante do que o estofo doutrinário e o convencimento de cada Ministro.
Só essa solidez nos argumentos elencados pelos Ministros para punir ou absolver os réus é que dará a dimensão da força e do respeito institucional com que o Supremo Tribunal Federal se projetará nas próximas décadas.
Durante a maratona de sessões, o STF tem mostrado comprometimento com a defesa da Constituição, principal papel da Corte. Os ministros estão mergulhados nos detalhes de cada versão e suas decisões, ainda que haja divergências, têm mostrado grande consistência. Aliás, é bom que não haja unanimidade de pensamentos na mais alta Corte do país. Triste seria ver alinhamento estreito entre todas as cabeças decisórias; julgamentos em bloco. A pluralidade de opiniões é que tira, na média, quase sempre a melhor das decisões, além de, claro, ressaltar a independência com que julgam.
Dos 37 réus, sete já foram condenados. Um divisor de águas nesse processo é que está, até o momento, prevalecendo a tese de que provas indiciárias estão sendo consideradas suficientes para fundamentar a existência da prática dos delitos. Em outras palavras, os crimes que saltam aos olhos e todos sabem de sua existência não deixam de ser considerados por falta, por exemplo, de uma assinatura que ateste a prática criminosa. É uma nova visão demonstrada pela corte, rechaçada, não sem a sua parcela de razão, por quase todos os penalistas. Abre contudo, novas maneiras de se enxergar a possibilidade de punir-se os chamados crimes do colarinho branco, que raramente produzem provas muito evidentes. Se essa orientação produzirá mais efeitos positivos que o contrário, só o tempo dirá, mas assim é que se amadurecem as instituições e a democracia se consolida.
De toda sorte, creio que o STF caminha para sair maior do que se apresentou no início desse julgamento. O importante é ter em mente que a sensação de impunidade que grassa no Brasil não decorre da falta de condenação de pretensos criminosos, mas antes, da falta de um julgamento. Ao decidirem de acordo com suas consciências e convicções teóricas, seja para que lado for, os Ministros do Supremo cumprem seu ofício, encerram seu papel fundamental, de que distribuem Justiça com independência. Com isso, engrandecem as instituições e contribuem, subsidiariamente, para fazer-nos acreditar no futuro.