O artigo Nova corte do corporativismo?, de autoria do jornalista Armando Acioli, foi publicado nesta terça-feira (17) no Jornal O Popular.
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ), órgão corregedor do Judiciário, ainda não saiu do papel e tudo continua como dantes: a Justiça é rápida para julgar os pés-de-chinelo e morosa quando se trata da punição de corruptos e de corruptores poderosos. O Supremo Tribunal Federal (STF), por exemplo, que deveria ser modelo às demais instâncias, há mais de decênios não puniu nenhuma autoridade, conforme revelou recentemente O Globo. O chamado foro privilegiado é uma discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais, pois é o manto da impunidade de figuras dos altos escalões em nível federal, dos Estados e dos municípios. Agora, já se cogita, no Congresso Nacional, da criação do Tribunal Superior da Probidade Administrativa com o objetivo de julgar autoridades (de ministros a desembargadores e co-réus) que incorrem em delitos de corrupção. Esse tribunal, segundo a proposta de emenda constitucional, terá onze componentes indicados pelo STF, aprovados pelo Senado e nomeados pelo presidente da República. Será mais uma embromação do Congresso, pois se aprovado, haverá o corporativismo.
Armando Acioli
Ora, o CNJ surgiu para sanar desmandos em segmentos do Judiciário, mas até agora essa instituição não disse a que veio. Tanto que, em diversas regiões do País, desembargadores, juízes e até um ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) já foram denunciados pelo Ministério Público e pela Polícia Federal por práticas de graves desvios de conduta, mas não se tem notícia de qualquer medida concreta do CNJ sobre a punição deles. Em suas exaustivas atividades no território nacional, inclusive na Operação Caça-Níqueis e na Operação Furacão, o sério e moralizador trabalho da PF vai por água abaixo, porque o injusto foro privilegiado acoberta os acusados do Judiciário com a benevolência do STF. É notório que alguns ministros desse tribunal são pródigos na concessão de liminares e habeas-corpus a implicados na malha dos sucessivos descaminhos. Basta dizer que, de algum tempo para cá, mais de 5 mil pessoas envolvidas em delitos, notadamente do colarinho branco, como o pagamento de propinas aos mensaleiros, foram denunciadas, mas ninguém foi condenado. O foro privilegiado é o biombo da impunidade.
No caso específico do Conselho Nacional de Justiça, em vez de atuar como órgão corregedor, ele, na verdade, tem feito a blindagem dos envolvidos em atos de improbidade e abusos de poder, como ocorre, na sua maioria, com instituições similares, sobretudo nas Polícias Militar e Civil.
Quanto à eficiência da atuação da Polícia Federal, que tem cortado na própria carne para cumprir sua missão com fidelidade, foi estranha a postura adotada pelo ministro da Justiça, Tarso Genro, a quem a PF é jurisdicionada. Em declarações à imprensa, ele tentou desqualificar as investigações desta polícia sobre a situação do ex-ministro de Minas e Energia, Silas Rondeau, do PMDB, indiciado em inquérito da PF por recebimento de R$ 100 mil de propina da construtora Gautama. O ministro da Justiça chegou a dizer que não havia provas contra Rondeau. Aliás, se esboçou até um movimento em círculos governistas para seu retorno ao ministério, contando inicialmente com o respaldo do Planalto, mas depois o presidente Lula descartou tal possibilidade. Eticamente, não ficou bem para o ministro da Justiça defender o ex-ministro e desprezar o inquérito da PF que indiciou Silas. Até na Petrobrás já foi descoberta roubalheira.
Ainda sobre a aberração jurídica do foro privilegiado uma ofensa ao Estado Democrático de Direito , pois ele não é previsto na Constituição de
Agora, de algum tempo a esta parte, enquanto o presidente do Senado, Renan Calheiros, vive seu inferno astral; o ex-senador Joaquim Roriz renunciou ao mandato por suspeitas de ato de improbidade; o Apagão Aéreo continua, enquanto a Polícia Federal, a cada dia, descobre novos escândalos de corrupção, não se fala mais no propinoduto organizado pelo ex-ministro José Dirceu e executado por Marcos Valério; os mais de 40 parlamentares que receberam propinas para votar pró-governo; o dossiê Vedoin; a origem do dinheiro (R$ 1,7 milhão) apreendidos pela PF, num hotel de São Paulo, em poder de Valdebran Padilha e Gedimar Passos; a montanha de dinheiro do caixa 2 do PT; a misteriosa morte de Celso Daniel, ex-prefeito de Santo André, além de outros fatos que abalaram a República, estranhamente caíram no esquecimento do governo da União e da Justiça. O mais grave e inexplicável sobre esse apagão moral em setores públicos e privados do País, é que, não obstante as judiciosas denúncias do procurador-geral da República, Antônio Fernando de Souza, e demais integrantes do Ministério Público, todos os denunciados estão impunes. Quanto à iniciativa de se criar o Tribunal Superior da Probidade Administrativa para julgar autoridades indiciadas por corrupção, não é preciso dizer que esse tribunal será mais um engodo, porque não terá a necessária independência em suas decisões. Se não não for extinto o foro privilegiado, que fere o princípio de igualdade da lei, esse tribunal, a exemplo dos interesses subalternos entre os poderes da União, dos Estados e dos municípios, terá a marca registrada do protecionismo e da impunidade.
17/7 10h04