Discurso proferido pelo presidente do Instituto de Direito Administrativo de Goiás, Fabrício Motta, durante a abertura do VI Congresso Goiano de Direito Administrativo, no Centro de Convenções de Goiânia.
Senhoras e Senhores,
O Instituto de Direito Administrativo de Goiás IDAG, entidade científica, de utilidade pública e sem finalidades lucrativas, tem o prazer de iniciar hoje o VI Congresso Goiano de Direito Administrativo. Pelo sexto ano consecutivo, este importante evento jurídico – o mais conceituado do Estado é realizado com o intuito de alcançar conclusões – e propor novas indagações – a respeito dos temas atuais e polêmicos ligados à Administração Pública.
Nos últimos 5 anos, durante os Congressos, temos pregado a substituição do Direito Administrativo ligado somente à defesa do cidadão, por um outro, que ampare e possibilite transformações sociais. Pregamos o controle da implementação e execução dos serviços e das políticas públicas, mecanismos ativos de promoção dos direitos fundamentais. Louvamos a constitucionalização dos princípios e regras tocantes à Administração, como decorrência lógica do triunfo do constitucionalismo e da democracia. Reivindicamos uma Administração mais permeável e participativa, atenta às demandas sociais e incentivadora do diálogo democrático com o cidadão.
Do primeiro Congresso, realizado em 2002, até este, nossa linha parece sempre imutável porque o Direito Administrativo contemporâneo possui uma raiz forte, também imutável: a necessidade de disciplinar o relacionamento entre Estado e sociedade, de forma a exigir respeito mútuo e diálogo, tendo como norte a indiscutível constatação de que o cidadão é o fim supremo da Administração pública.
A realidade, contudo, parece hoje a mesma narrada por Sérgio Buarque de Hollanda, em Raízes do Brasil, cuja primeira edição data de 1936:
De Dom João I a Getúlio Vargas, numa viagem de seis séculos, uma estrutura político social resistiu a todas as transformações fundamentais, aos desafios mais profundos, à travessia do oceano largo. (…) A comunidade política conduz, comanda, supervisiona os negócios, como negócios privados, na origem, como negócios públicos, depois, em linhas que se demarcam gradualmente. O súdito, a sociedade, se compreendem no âmbito de um aparelhamento a explorar, a manipular, a tosquiar nos casos extremos. Dessa realidade se projeta, em florescimento natural, a forma de poder, institucionalizada num tipo de domínio: o patrimonialismo, cuja legitimidade assenta no tradicionalismo: assim é porque sempre foi.
Parcela da Administração sempre foi paralela, pessoalista ou patrimonialista. Pregou e ainda pratica – a promiscuidade entre o público e o privado. Fez – e faz – das estruturas de poder grandes confrarias, onde os amigos são bem tratados, os desconhecidos são vistos com desconfiança e os inimigos são perseguidos. Agiu e age nas sombras, tornando público somente o que lhe beneficia; arquivando nos escaninhos ocultos o que não lhe convém divulgar. Em resumo, no lugar de servir ao cidadão, serve-se do cidadão, de todas as formas possíveis.
A administração pessoalista é a Administração dos nomes, não das competências. É gerencial quanto a alguns meios, mas não quanto a todos os seus fins. É a Administração da condenação: condena o cidadão ao medo, à ignorância, à fome, à fila, à espera nos aeroportos. Condena ao desespero, à falta de informação. Se não bastasse, condena a ouvir absurdos ditos por uns e outras, e ainda a ouvir desculpas pedidas com o único intuito de evitar algum prejuízo eleitoral futuro.
Estas constatações não devem ser vistas com desolação, mas como um desafio a exigir do cidadão, do administrador e do estudioso do Direito Administrativo, um compromisso constante: compromisso de reavivar o Estado Democrático de Direito, em um sistema que privilegie os direitos fundamentais e não admita retrocesso; compromisso de relembrar que
Dois breves pontos, interligados, podem ser destacados nesse cenário: a importância da transparência e a efetividade do controle.
Como diz Gordillo, a tradição das administrações hispanoamericanas é o silêncio, o segredo, a reserva, não a publicidade. O funcionário público não considera, com isso, que realiza uma atividade ilícita: ao contrário, percebe que o correto, o devido, o lícito e normal é ser o zeloso guardião do interesse público. O
O controle é essencial ao Estado de Direito, elemento de sua definição. As diversas estruturas e competências de controle previstas pela Constituição devem ser imaginadas de forma conjunta, interligada, harmônica. Sem compartilhamento de informações e ações conjuntas entre o Ministério Público, em seus diversos ramos, Tribunais de Contas, Polícias e outros controles ligados ao executivo não há prevenção, apuração e mesmo punição duradoura, efetiva. É preciso interpretar de forma inteligente a Carta para dar fim ao ciúme institucional e pensar, em primeiro lugar, na eficácia do controle, e não na glória das instituições. O controle ineficaz traz a certeza da impunidade e incentivo aos ilícitos.
Esse é o papel do estudioso do Direito Administrativo: propugnar, por diversos meios, pela efetividade de nossa Constituição, suas promessas, seus princípios e valores.
Iniciamos mais um Congresso com a pretensão de discutir, com os mais destacados doutrinadores, os fundamentos, as transformações e as esperanças portadas pelo Direito Administrativo. Por mais uma demonstração de apoio, manifestamos nossos sinceros agradecimentos aos congressistas que nos prestigiam, razão de ser do evento; autoridades que prestigiam a sessão de abertura; professores de fora de Goiânia; agradeço especialmente aos patrocinadores e apoiadores, órgãos e entidades que incentivaram a participação de seus servidores.
Neste evento, queremos destacar os bons exemplos, alguns da Administração goiana, e também apontar equívocos. Queremos ser propositivos, e não somente contemplativos. Queremos fazer a nossa parte nesse diálogo de alto nível, contribuindo para a efetivação da cidadania, em sua plenitude. Esperamos que as reflexões e conclusões deste Congresso possam contribuir na orientação dos passos da administração pública, especialmente a goiana, na efetivação dos direitos, garantias e anseios do cidadão.
Muito obrigado, um ótimo congresso para todos.
18/06 19h30